Por Daniela Carreira Peralta
Mudei-me para Lisboa há relativamente pouco tempo e há meses que queria escrever sobre este projeto. Estar na cidade foi uma oportunidade e não a deixei escapar. Dez e meia da manhã, uma viagem de metro e com as instruções de um jovem taxista à mistura, cheguei à Rua do Poço dos Negros!
Quando me sentei com a Susana para iniciarmos a nossa conversa, comecei por brincar: “Ainda é muito cedo ou a avó já está a trabalhar?”. A verdade é que uma das avós estava já na sala ao lado com o Ângelo e com uma jovem voluntária a agitar o ambiente. Fiquei logo a saber que, entre as 10 da manhã e as 18 horas da tarde, o atelier está em funcionamento – fechando à hora do almoço. “Quando [os avós] estão chateados em casa e não têm nada para fazer, vêm ter connosco”, diz-me a Susana. “A porta está sempre aberta” e os voluntários são bem-vindos às terças, quartas e quintas-feiras entre as 10 e as 13 horas para aprender com as avós.
68 avós a criar produtos modernos com técnicas tradicionais
Foto © A Avó Veio Trabalhar
Com a ajuda do programa de financiamento BipZip (Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária de Lisboa) da Câmara Municipal de Lisboa, o projeto começou a gatinhar e, pouco tempo depois, a andar com equilíbrio: já são mais de 68 avós a trabalhar! A trabalhar em quê? Em produtos muito coloridos – almofadas, bolsas, carteiras, mantas, tecidos com serigrafia entre outros – que juntam técnicas tradicionais com traços mais modernos. Os produtos são postos à venda em vários pontos de venda (e também no próprio atelier) e são expostos em galerias e museus de todo o mundo.
Embora este seja um projeto "moderno", apenas pessoas com mais de 60 anos podem integrá-lo. Com idade inferior a 60 anos, é uma brincadeira de Susana e de Ângelo: “temos muita pena, mas tem de voltar daqui a uns anos”, diz-me por entre risos. Se bem que, jovens, podem ser voluntários! “A ideia é também podermos juntar as gerações e podermos aprender uns com os outros”, explica-me a designer.
“Muitas vezes eu sinto que o trabalho é aquilo que nos identifica. Normalmente, quando nos apresentamos a alguém que não conhecemos, dizemos o nosso nome e, logo de seguida, se gostarmos do que fazemos [risos], dizemos o que é que nos caracteriza. ‘Eu sou designer’ é logo a segunda coisa que eu digo”.
Foto © A Avó Veio Trabalhar
Quando nos reformamos tudo parece um ambiente de férias e de descanso “mas depois o que é que nos caracteriza?”, pergunta Susana. “O trabalho não tem de ser visto como uma coisa cansativa, dolorosa e nefasta”, mas sim como “um papel de dignidade na sociedade”, conclui.
N’A Avó Veio Trabalhar há uma coleção nova de 3 em 3 meses. Quanto aos lucros, são partilhados por todos e, quando não em dinheiro, traduzem-se em “vouchers, idas ao cinema e outras compensações para a vida destas pessoas”.
A designer começa por me dizer: “mais do que este ser o meu espaço e do Ângelo, esta é a casa deles”. E não se engana nada. Os sofás antigos e as caixinhas de metal que tanto me fizeram relembrar a caixa de botões da minha avó são prova disso. Ali, naquele espaço, vive-se o ambiente típico da casa da avó – de qualquer avó.
Como é passado um dia no atelier, querem saber? Eu quis. “É fácil!”, diz-me logo. E continua: “Se nós marcarmos um horário, os nossos avós vêm sempre meia hora antes! A porta está aberta. Sentamo-nos, partilham-se ideias, fazem-se testes… O facto de termos esta montra aberta para a rua faz com que toda a gente que aqui mora entre pelo menos para dizer ‘bom dia’, todos os turistas entram encantados com o projeto…”.
Os produtos, quando postos à venda e em exposição, têm uma etiqueta com a fotografia do respetivo produtor. “A pessoa que produz fica sempre um bocadinho atrás do pano e queremos passá-los [aos avós] para a frente do pano”, explica-me. Até porque as avós gostam de saber que alguém lhes comprou determinada peça ou que ela está exposta no museu y.
O psicólogo Ângelo Campota e a designer Susana António são os mentores deste projeto que já conta com 68 'avozinhas' – Foto @ Catarina Sanches
“Eles estão mais novos. Têm outro discurso, têm uma preocupação diferente com a aparência, são mais participativos…”, conta-me a Susana. Recentemente, o projeto abriu um novo espaço em Campo de Ourique. E em breve hão-de abrir novos locais pelo país. Susana diz, com num sorriso cúmplice, que este ponto “é algo que não vai demorar muito tempo a acontecer”.