Sociedade

Dona Rosa frequenta o doutoramento aos 89 anos

Fez a primária com 13 anos mas hoje, quase com 90 anos , está a terminar a sua tese de mestrado e já está a trabalhar na tese de doutoramento. "Andar para a frente" é o segredo da aluna mais velha da Universidade Autónoma.
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Já tinha 13 anos de idade quando começou a instrução primária mas hoje, a um mês de completar 90 anos, está a terminar a sua tese de mestrado e já está a trabalhar na tese de doutoramento. “Andar para a frente” é o segredo da aluna mais velha da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL).

por Patrícia Maia

Rosa Andrade veio do Minho, de Arcos de Valdevez, para Lisboa quando tinha 13 anos para fazer a instrução primária. Depois frequentou a escola comercial mas casou aos 20 anos “e acabou-se a escola”, conta ao Boas Notícias. 


Do primeiro marido, que faleceu após 14 anos de casamento, teve os seus dois únicos filhos. O filho mais velho morreu atropelado, aos nove anos, perto da escola. Dona Rosa chegou a criar um infantário, apoiado pela Misericórdia, em sua memória. O outro filho tem agora 70 anos e deu a Dona Rosa quatro netos e cinco bisnetos.  
 
Foi na Associação Nacional dos Parques Infantis, coordenada pela poetisa Fernanda de Castro Ferro, que Rosa trabalhou nos primeiros anos de carreira, como professora de lavores. “Ensinava bordados, costura, como fazer uma saia, uma camisa, coser meias… Porque na altura ainda se remendavam as coisas, agora quando se estragam compramos outras”, recorda.

Entretanto, a associação faliu e Dona Rosa ficou sem trabalho. Por pouco tempo. “Estava a ler o jornal e vi um anúncio de um concurso para alunas da escola de enfermagem nos Capuchos. Tinham curso de auxiliares e de enfermeiras”. 
 

Dona Rosa na cerimónia de entrega do diploma da licenciatura em Psicologia em 2011 

Como dona Rosa não tinha o 9.º ano do liceu só podia concorrer a auxiliar. Mas decidiu esperar: “Arranjei um trabalho na casa de uma professora e usei parte do dinheiro para me preparar para os exames no liceu Rainha Dona Leonor”. 


Enfermeiras não podiam ser casadas

O 9.º ficou despachado e o curso de enfermagem também. Mas depois do estágio, Dona Rosa não pôde ficar no hospital. “Eu era casada e na altura as enfermeiras não podiam ter marido. Propuseram contratar-me como criada, porque as criadas já podiam ter marido. Eu disse que não. Não tinha andando a ‘queimar as pestanas’ para trabalhar como criada”.


Mas dona Rosa deu bom uso ao curso, ao qual acrescentou uma formação de enfermeira parteira na Maternidade Alfredo da Costa. Com os cursos na mão, dona Rosa montou uma empresa de serviços de enfermagem que funcionou durante cerca de 10 anos, a partir da Praça da Figueira: “Fazia a assistência ao domicílio a qualquer hora, às cinco da manhã se fosse preciso”.

Duas licenciaturas depois dos 70 anos

Depois do 25 de Abril, dona Rosa fechou o negócio e foi trabalhar para a Ordem Terceira e para o Hospital da Estefânia. Fazia turnos nos dois hospitais quando terminou o 12º ano do liceu, para poder pedir a equivalência da licenciatura de Enfermagem. 


Ainda trabalhava como enfermeira, aos 67 anos, quando se inscreveu na licenciatura de Sociologia. Mas já estava reformada, aos 70 anos, quando terminou o curso, em 1995. “Vim embora (do hospital) porque me mandaram embora, disseram que tinha chegado ao limite da idade”.

Durante 10 anos esteve em casa onde passava a maior parte do tempo a “ler e a escrever”. “Gosto muito de ler, sobretudo história, livros científicos e romances”, diz. Mas na Universidade Autónoma não se tinham esquecido dela e desafiaram-na a frequentar o curso de Psicologia: “Primeiro achei que não valia a pena mas lá me convenceram. Passei todos os anos e três anos depois era psicóloga”. 

“Andar para a frente”
 

Agora, com quatro netos e cinco bisnetos, dona Rosa regressou à “sua” universidade, onde por vezes se cruza com um dos bisnetos que também estuda na UAL. O maior desafio, admite, é o computador. “Escrevo tudo à mão e depois passo a computador mas como só uso dois dedos demora muito”, explica, admitindo que às vezes contrata pessoas para lhe passarem os trabalhos para o computador. “É bom para eles, que ganham dinheiro, e para mim que poupo tempo!”.

Em Março, Dona Rosa entrega a sua tese de mestrado intitulada “A dor, o sofrimento e o preço oculto a pagar pela vida”. “Esse preço oculto é a morte porque não sabemos quando morremos”, diz Dona Rosa admitindo que a sua experiência como enfermeira a motivou a fazer esta investigação.
 
O tema da tese de doutoramento também já está definido. Será sobre “Envelhecimento saudável ativo e o seu genoma”. “É inspirada na minha pessoa. Não sou uma pessoa doente e não me lembro a última vez que fui ao médico”, explica.

A um mês de completar 90 anos, Dona Rosa garante que o segredo para uma vida ativa e preenchida em qualquer idade é “andar para a frente”. “Acho que não nos devemos desmotivar, se nos agarramos a um sofrimento vamos mais depressa para a morte”, conclui a futura doutora Rosa Andrade. 

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