Um estudo da bióloga portuguesa Tânia Barros vem comprovar que o mamífero sacarrabos chegou a Portugal há dezenas de milhares de anos, quando a Península Ibérica ainda estava ligada ao continente africano.
Um estudo da bióloga portuguesa Tânia Barros vem comprovar que o mamífero sacarrabos chegou a Portugal há dezenas de milhares de anos, quando a Península Ibérica ainda estava ligada ao continente africano. Até há pouco tempo, pensava-se que este animal tinha chegado a Portugal pela mão dos árabes.
Já se sabia que o sacarrabos não foi trazido pelos árabes para a Península Ibérica e expandiu-se a partir da população do norte de África, mas um estudo genético da Universidade de Aveiro (UA) agora publicado comprova e explica geneticamente a origem da expansão.
O estudo foi realizado a partir de uma tese de doutoramento defendida na UA, com base na análise de ADN mitocondrial, e mereceu destaque na revista científica “Mammalian Biology”.
A ocorrência de sacarrabos na zona norte do país e não apenas na região sul, como acontecia há algumas décadas, tem vindo a suscitar a curiosidade dos investigadores de ecologia animal sobre esta espécie que existe em África, no Médio Oriente e que, na Europa, só existe na Península Ibérica (ver mapa – mancha verde e vermelha assinalam zonas com sacarrabos).
Nesse sentido, investigadores da UA procederam ao estudo da genética populacional do sacarrabos de forma a clarificar, em termos evolutivos, quais as consequências dessa expansão.
Já eram conhecidos estudos que mostravam a origem norte-africana do sacarrabos ibérico e que não seria possível a espécie existir na Península apenas a partir do período da presença árabe. Mas o trabalho agora publicado na “Mammalian Biology” que mereceu fotografia de capa e teve por base a tese de doutoramento de Tânia Barros permitiu relacionar os padrões genéticos da espécie com a sua expansão na Península Ibérica.
Demonstrou-se, explica Tânia Barros num comunicado de imprensa da UA, que “a recente expansão do sacarrabos moldou os próprios padrões genéticos da espécie em Portugal, revelando que a população de sacarrabos do sul apresenta uma maior diversidade genética, resultados estes que correspondem a uma presença mais prolongada nessa zona de Portugal”.
Os investigadores perceberam que a “espécie permaneceu durante um largo período de tempo na região sul da Península Ibérica, o que permitiu o aparecimento de nova informação genética nessa população, levando ao aumento da diversidade”.
Contrariamente, as populações de sacarrabos amostradas nas áreas do centro e norte do país – que correspondem a áreas recentemente colonizadas pela espécie – apresentam uma menor diversidade genética, panorama consentâneo com o padrão da expansão conhecida desta população.
Travessia aconteceu há dezenas de milhar de anos
Adicionalmente, afirma ainda a investigadora, os resultados provenientes das análises genéticas demonstraram que a dispersão da espécie para zonas do centro e norte do país ocorreu a partir de várias “subpopulações-fonte” distribuídas pelo sul do território nacional, levando os investigadores a concluírem que, provavelmente, existem várias rotas de expansão da espécie, através das quais o sacarrabos colonizou os territórios do centro e do norte do país.
O sacarrabos, defende Tânia Barros (na foto) com base em estudos anteriores, terá passado do norte de África para a Península Ibérica durante um período da história da Terra em que a distância entre os dois territórios e o nível da água o permitia. Ou seja, durante o Pleistoceno Médio e o Pleistoceno Superior, de 2,5 milhões a 11,5 mil anos atrás, em que se sucederam várias glaciações.
A expansão na Península, nomeadamente em Portugal, terá sido favorecida, acrescenta ainda a recém-doutorada da UA, pelas alterações climáticas, pelo abandono da atividade agrícola em certas zonas, com a consequente expansão do matagal. A taxa de reprodução elevada e uma alimentação variada, embora se saiba que o coelho tem um papel importante na dieta, também contribuem para o alargamento do padrão de distribuição geográfica da espécie.
Parceria nacional e internacional
O estudo intitulado “Mitochondrial demographic history of the Egyptian mongoose (Herpestes ichneumon), an expanding carnivore in the Iberian Peninsula” foi realizado com o contributo de várias entidades e decorreu no âmbito das atividades do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), laboratório associado, e do Departamento de Biologia da UA. Nele participaram também investigadores das universidades de Montpellier e de Évora.
A tese de doutoramento de Tânia Barros, “Molecular ecology of the Egyptian mongoose (Herpestes ichneumon) in Portugal: Understanding establishment and ongoing processes of a successful carnivore”, na base deste estudo, foi defendida no final do ano passado.