[António Piedade é Comunicador de Ciência e Investigador do Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra e publica quinzenalmente uma crónica no Boas Noticias]
O coração de Leonor batia numa cadência agitada. Parecia que o coração queria saltar-lhe do peito e ir dançar com as folhas que chovem das árvores no Outono. Mas não era só por causa disso que o sobressalto se adicionava ao tambor cardíaco. Leonor estava ansiosa. Procurava sons da Natureza ao longo do caminho desde a escola até à sua casa. Mas o barulho da cidade era tão intenso, que não conseguia descortinar sons para além dos carros, aviões, comboios, equipamentos de climatização, entre tantos outros elementos da orquestra citadina.
A professora tinha informado a turma da Leonor de que no dia 1 de Outubro se comemorava o dia Mundial da Música e pedido que, a propósito dele, todos fizessem uma composição sobre os sons da Natureza.
A professora explicou que o Dia Mundial da Música fora instituído em 1975, por iniciativa de Lord Yehudi Menuhin e sob a égide da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), para ser celebrado no primeiro dia de Outubro e que seria dedicado a promover a arte da música por todos os povos, numa continuação dos ideais da paz e amizade entre todas as pessoas. Assim como comemoramos o nosso aniversário todos os anos, para nos lembramos do dia do nosso nascimento e nos rodearmos dos nossos amigos e familiares.
Como este ano de 2010 é dedicado à Biodiversidade, a professora da Leonor achou oportuno pedir que ela e os seus colegas encontrassem sons diferentes na Natureza e os descrevessem numa composição.
O seu colega João, que gostava muito de fazer compras, disse-lhe que, para ele, a natureza eram os legumes embalados e as frutas do supermercado, pelo que, a caminho de casa, iria passar por lá à procura dos sons da natureza.
Leonor, pelo contrário, achava que a professora se referia à natureza onde os passarinhos fazem os ninhos, onde as rãs coaxam em coro na fuga dos riachos, onde os cavalos relincham num andamento percutido sobre a terra. E era sobre esses sons que ela queria escrever. Mas como, se os não ouvia entre o andamento congestionado da cidade?
Decidiu sentar-se num banco de uma alameda que pautava de verde o caminho até sua casa, fechar os olhos do barulho e “procurar” com os ouvidos. Não esperou muito até que um belo dueto de trinados despertasse os seus ouvidos. E, curioso, apesar de ter os olhos fechados, o chilrear dos passarinhos foi acompanhado por uma sensação colorida. Foi como se o cérebro de Leonor associasse cores aos chilreios dos dois passarinhos a esvoaçar numa partitura ali perto.
De facto, já alguém lhe tinha dito que podíamos ver com o cérebro. E, sem abrir os olhos, imaginou a cor, a forma e o movimento dos passarinhos a partir dos sons com que eles a embrulhavam.
Concentrou-se nestas sensações e sentiu que as melodias a inundavam com uma paleta de cores que variava consoante a tonalidade do trinado era mais aguda ou mais grave.
Sem se aperceber disso, Leonor decidiu pintar o dia Mundial da Música em vez de o escrever. Iria partilhar a música da Natureza a cores!