por Patrícia Maia
O fascínio de Gonçalo por tecidos, agulhas e tesouras veio do avô, Ayres Carneiro da Silva, famoso alfaiate do Porto que durante mais de 70 anos produziu fatos e outras peças. “Dizem que até os ministros se deslocavam-se de propósito ao Porto para se vestirem”, conta Gonçalo ao Boas Notícias.
Hoje em dia, com 82 anos, o Ayres sénior continua a ser uma referência para o neto. “O meu avô continua a ser uma peça chave, visita o atelier com regularidade e, quando temos dúvidas, sabemos que só o velho Ayres é que pode ajudar”, confessa o jovem alfaiate, sublinhando que o avô tem também “muito orgulho” no trabalho de Ayres Gonçalo e do seu sócio João Paulo Rodrigues.
Depois de ter passado a sua adolescência como aprendiz, Gonçalo quis deixar a “asa” da família e partir à descoberta. A primeira paragem foi em Espanha, em 2004, onde teve formação na melhor alfaiataria de Madrid, dirigida por Pedro Muñoz. Depois seguiu para Londres, a “Meca” dos alfaiates.
Sem cunhas nem contactos privilegiados, Gonçalo bateu à porta das casas mais famosas da capital britânica “com uma tesoura e uma agulha na mão”. Em pouco tempo começou a trabalhar na conceituada alfaiataria Gieves & Hawkes, da avenida Savile Row, onde ocorreu um dos episódios mais mediáticos da sua carreira: a oportunidade de fazer um fato para o príncipe Carlos.
“O fato para o Príncipe Carlos foi um marco importante sem dúvida mas não penso muito nisso. Tenho outros objetivos neste momento! Por exemplo gostava de fazer um fato para o Dr. Ricardo Salgado. Não o conheço pessoalmente mas sei que é uma pessoa que aprecia alfaiataria. Dou valor e tenho prazer em fazer fatos para quem gosta de vestir bem”, sublinha.
Depois de Londres, Gonçalo ainda rumou a Nova Iorque para trabalhar com o famoso alfaiate Michael Andrews. Foi graças a esta experiência, nos EUA, que Ayres acabou do outro lado do mundo, a dar formação a chineses.
Aliás, a formação é outra das vertentes em que Gonçalo e o seu sócio João Paulo Rodrigues apostam, abrindo as portas do Laboratorio di Sartoria, o atelier que a dupla instalou no Porto, a quem quiser aprender esta arte. “Portugal teve, no passado, uma grande tradição de alfaiataria que se perdeu. Eu e o Paulo gostaríamos que esse cenário mudasse e a nossa porta está aberta a quem quiser aprender”, salienta.
[Foto: Ayres Gonçalo e João Paulo]
Regresso a Portugal
Embora a aprendizagem com o avô tenha definido a paixão de Gonçalo, estas experiências “lá fora” foram fundamentais para tornar Ayres no alfaiate que é hoje. “Com o meu avô aprendi a provar, cortar e vender mas depois aprendi a coser em Madrid e fiz o meu aperfeiçoamento em Savile Row”.
Gonçalo teve oportunidade de ficar nos três países onde trabalhou como alfaiate, mas decidiu voltar para Portugal e apostar no seu próprio negócio, em conjunto com o sócio. “Voltei de Nova Iorque para começar a trabalhar para mim próprio e dar continuidade ao nome do meu avô. Só assim faz sentido a alfaiataria na minha vida”, garante.
A aposta em Portugal parece ter sido acertada. O Laboratorio di Sartoria recebe encomendas de várias partes do mundo – Londres, Nova Iorque, Bruxelas e São Paulo – sendo que normalmente os dois alfaiates se deslocam até junto dos clientes para tirar medidas e saber todos os detalhes da encomenda. Ainda este mês viajaram até são Paulo a pedido de alguns clientes e regressaram “com encomendas de membros do governo na bagagem”. Em 2013, a dupla espera mesmo abrir uma sede no Brasil.
Um fato Ayres Bespoke é cortado, provado e cosido manualmente e corresponde a cerca de 50 horas de trabalho. O preço, claro, é diferente do que se encontra nas lojas de pronto a vestir: o custo de um fato Bespoke parte dos 2.000 euros. E se este número pode assustar, feitas as contas, é um valor que compensa já que estas peças podem durar até 30 anos, se forem bem tratadas.
“Por regra e tradição, estas peças passam de geração em geração. Um Bespoke que um cliente requisite hoje, dou a garantia que o seu filho irá vestir esse mesmo Bespoke dentro de 20 anos!”, explica Gonçalo Ayres ao Boas Notícias, sublinhando, no entanto, que a duração do fato depende do “tratamento que o cliente lhe dá”. “Os Bespoke são como os carros, às vezes têm que ir á revisão para reforçar botões, coser os forros”, explica.
80 por cento de clientes estrangeiros
Para quem este investimento está fora de cenário, o Laboratorio di Sartoria oferece outros serviços com o mesmo selo de qualidade mas mais em conta: fatos “made to measurement” (feitos à medida mas cosidos à máquina), alterações, camisaria e até consultadoria. Nesta gama de serviço, será possível por exemplo, comprar uma camisa feita à medida por 120 euros.
E desenganem-se aqueles que pensam que a alfaiataria é uma arte séria e previsível: “A minha especialidade são os clássicos, mas também gosto de excêntricos até porque um excêntrico com requinte não é ridículo”. “Faço por exemplo camisas estampadas com morangos que se forem usadas com uns sapatos e umas calças com patina, se tornam muito engraçadas”, explica.
Apesar do valor das peças, o atelier está a produzir uma média de oito fatos da gama Bespoke [a linha por medida onde todos os passos são feitos de forma manual] por mês. Destas encomendas, 80 por cento vêm do estrangeiro e 20 por cento são nacionais: “O nosso objetivo é trabalhar para o mundo a partir do Porto”.
[Foto: Avô Ayres Carneiro da Silva]
Um segredo para este sucesso? “Gostar muito do que se faz pode ser um bom trunfo mas temos que lhe juntar muita dedicação… Aí sim, penso que o sucesso vem a caminho”, defende Ayres Gonçalo. Um conselho que está espelhado no percurso deste jovem alfaiate onde a paixão e o empenho se refletem em cada peça e em cada degrau do seu sucesso.
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