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Vida paralela

Foi campeão olímpico e mundial de polo aquático, mas viveu uma outra realidade ao envolver-se num mundo de dependência. A história de Pedro García Aguado, e outros testemunhos de superação serão partilhados esta terça feira, no Campo Pequeno, em Lisboa, no âmbito do Congresso “O Que De Verdade Importa”.
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por Cláudia Pinto
Fotos: DR

Pedro García Aguado, de 49 anos, teve uma vida de sonho e de um sucesso que jamais imaginou. O espanhol, nascido em Madrid, foi campeão olímpico de polo aquático, nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996 (já tinha ganho a medalha de prata, em 1992, em Barcelona), e campeão do mundo, em Perth, na Austrália, dois anos depois. Mas a sua história é bem mais profunda do que aquela que os holofotes faziam transparecer. A mesma será partilhada amanhã [17 de abril de 2018], no Campo Pequeno [Avenida da República, em Lisboa], a partir das 9h30, na 5ª edição do Congresso “O Que De Verdade Importa”. Pedro virá a Portugal para mostrar o outro lado, o mais invisível. É que além do sucesso, as vitórias, e o ponto alto da sua carreira desportiva, os seus dias também eram de depressão e tristeza devido ao consumo de álcool, de drogas e à vida noturna que ocupou mais de 20 anos da sua vida.

No seu currículo, além de outras distinções, Pedro Aguado conta com o título de melhor jogador da Liga Espanhola da modalidade, em 2001, melhor jogador da Final da Copa do Rei, no mesmo ano, tendo sido internacional com a Seleção Espanhola de Polo Aquático, em 565 ocasiões. “Ser jogador de polo aquático não foi uma decisão minha”, explica. Uma sucessão de acontecimentos levou à progressão da modalidade desportiva, aquela que viria a converter-se na sua única atividade profissional. “As minhas irmãs mais velhas eram nadadoras, os meus pais não me deixavam sozinho em casa e levavam-me para a piscina. Acabei por aprender a nadar e praticar a modalidade mas não tinha noção de que iria conseguir atingir todos estes êxitos”, conta.

Aos 12 anos, o divórcio dos pais trouxe uma mudança na sua vida. “Fiquei a viver com o meu pai e passava muito tempo em casa sozinho sem regras. Não tinha limites”, diz. Foi nesse momento que começou a tomar más decisões e a deixar-se envolver no mundo do alcoolismo e das drogas. “Já era um jogador destacado na altura. Tinha uma vida paralela. Por um lado, o polo aquático, e por outro, a vida noturna e os fins de semana de dependências. Era muito bom a treinar mas também o era, a sair à noite”.

“A pressão era enorme porque o polo aquático converteu-se na minha única atividade profissional após ter abandonado os estudos. Se tudo corria bem, era perfeito. Mas se perdia um campeonato, era triste, e não havia outra coisa em que pensar.”

Apesar desta realidade, nunca sentiu que o rendimento ao nível do polo aquático ficasse prejudicado. “Eu bebia muito, e para parar o efeito do álcool, acabava por consumir drogas para me ir aguentando durante a noite.” Confessa que nunca apanhou um susto maior, à exceção do dia em que foi parar ao hospital com uma dor forte no peito. “Eu achava que controlava tudo, que aquilo não passava de um problema muscular”, explica. Por outro lado, a depressão e a tristeza acompanhavam-no sempre, e assim foi durante anos, mesmo a triunfar na vida, lado a lado com o êxito.

O momento de viragem

“Quando somos jovens, o corpo aguenta, e foi isso que aconteceu comigo até aos 34 anos”, explica Pedro Aguado. Depois de ter participado pela última vez nos Jogos Olímpicos, em Sidney, no ano 2000, foi informado de que já não fazia parte da Seleção Espanhola de Polo Aquático. “Não fui selecionado até ao ano de 2003, e foi nesse momento que decidi pedir ajuda”, explica. Acabou por ser internado num centro de dependências, em Espanha. “Ainda assim, passei três anos a enganar-me a mim próprio e à minha família, a pensar que era capaz de tudo e só fazia as coisas à minha maneira. Dentro de mim, havia uma voz que me dizia: ‘não estás bem’.” E não estava. A partir do momento em que decidiu tratar-se, teve a perfeita noção que não voltaria a jogar polo aquático. “Foi também aí que entendi que teria de encontrar outras formas de ganhar a vida e arranjar outro trabalho quando estivesse totalmente recuperado”, garante.

Baseando-se na sua experiência de vida, Pedro Aguado ganhou um novo rumo e começou a dedicar-se a ajudar os outros. Escreveu livros, apresentou o programa de televisão “Hermano Mayor” [com o objetivo de ajudar jovens com problema de dependência] que, durante sete anos consecutivos, foi líder de audiências em Espanha, no canal Cuatro, participa em palestras e conferências de sensibilização e colabora em centros vocacionados para o tratamento de dependências. Fundou o Centro “Tempus”, localizado em Barcelona, colaborando também em Portugal, no Centro Villa Ramadas, situado em Alcobaça.

“Este é um problema que afeta jovens mas pessoas de várias idades. Acompanho doentes dos 14 aos 65 anos. É um problema transversal também a estratos sociais, a famílias com mais ou menos recursos económicos, com formação académica ou com menos estudos”, explica o ex jogador de polo aquático.

E porque a verdade realmente importa e pode mudar o rumo que se decida vir a ter, Pedro Aguado costuma aconselhar os jovens com quem se cruza a “olharem em frente, a serem corajosos e a assumirem que têm uma doença mas com a consciência de que existe tratamento. O primeiro passo se tratarem é reconhecer que não é possível controlar nada e que não se pode consumir pouco a pouco ou moderadamente. É preciso abandonar a dependência para toda a vida. Mas para que isso aconteça, é há que dar tempo ao tempo e introduzir uma sucessão de alterações, ao nível de hábitos de vida e de amizades. É recomendável evitar alguns ambientes noturnos, festas e discotecas, até terem a certeza de que não vão ter uma recaída. “Não se vão curar de um dia para o outro.”

Saber esperar e paciência. Eis duas características fundamentais para a recuperação total que pode demorar três a cinco anos, na opinião de Pedro Aguado. “Se a pessoa aceitar que tem uma doença, o processo fica facilitado, mas não deixa de ser longo e duro”, defende. Pedro demorou a entender que tinha, de facto, um problema. Achava-se forte, desportista, capaz de controlar a sua vida. A partir do momento em que decidiu tratar-se, o primeiro desafio foi aprender a viver sem consumir. “Depois de 20 anos de várias dependências, não foi fácil imaginar a minha vida sem as mesmas. Foi duro, custou, mas no final, passei a sentir alívio e libertação”, partilha.

Quando questionado sobre se sente falta do polo aquático, assegura determinantemente que não. “Costumo dar este exemplo: quando as pessoas acabam a sua carreira profissional, reformam-se e não voltam à empresa onde trabalhavam. A piscina foi o meu escritório durante anos, onde eu trabalhava durante muitas horas seguidas e sofria de tanto treinar: doía-me o ombro, a cabeça, as costas… A pressão era enorme porque o polo aquático converteu-se na minha única atividade profissional após ter abandonado os estudos. Se tudo corria bem, era perfeito. Mas se perdia um campeonato, era triste, e não havia outra coisa em que pensar.” Era muito frequente para o jogador passar da alegria à tristeza à velocidade da sua performance dependendo de como corria uma partida ou um campeonato.

A educação em casa é a melhor prevenção

Garante ter ajudado, até à data, cerca de 500 famílias. Umas marcaram-no mais do que outras mas não esquece quem conseguiu ajudar a sair de uma vida de dependência, como o Júlio, um jovem que consumia marijuana e que conheceu no programa de televisão que apresentou. “Conseguimos fazer com que deixasse de consumir, recuperou, escreveu um livro, casou-se… Acompanho muitos casos semelhantes e todos eles me marcam de alguma forma”, afirma.

Apesar de todo o trabalho que desenvolve nesta área, não tem dúvidas de que a melhor prevenção começa em casa. ”É importante fomentar a autoestima das crianças e entender a sua personalidade… Há que ensinar-lhes a dizer que não quando lhes oferecem drogas ou outro tipo de dependências sem medo de não serem aceites num grupo. Por mais que façamos um trabalho de divulgação e participemos em palestras, nas escolas ou noutros locais, a melhor educação é a que vem de casa. Os pais têm uma enorme influência nas crianças”, salienta.

Após 20 anos de dependências diversas, Pedro García Aguado decidiu tratar-se. Apesar de não ter sido um processo fácil, no final, “sentiu alívio e libertação”.

Pedro Aguado tem duas filhas, com 20 e 27 anos. Eram muito pequenas quando entrou no centro terapêutico para se tratar. “Elas conhecem o meu passado porque eu não o escondo. No entanto, não passaram por momentos negativos. Já conviveram com um pai recuperado”, garante. A vida de adicção acabou com o relacionamento que manteve com as mães das suas filhas.

Pedro Aguado já participou noutras edições internacionais do Congresso “O Que De Verdade Importa”, e é a primeira vez que vem à edição portuguesa, em Lisboa [no passado dia 11 de abril, decorreu a 4ª edição do Porto]. A partilhar o palco com ele, das 9h30 às 15h00, estarão Joe Santos, cofundador da associação “Vencer o Autismo” para partilhar as lições de vida que o autismo lhe tem ensinado; e Paulo Azevedo, que apesar de nascer sem braços, encontrou na fé, a coragem e determinação para vencer, nunca escolhendo o caminho mais fácil.

Se quiser assistir a este Congresso, ainda vai a tempo de se inscrever através do link https://www.loquedeverdadimporta.org/congreso/lisboa-edicion-2018/

A iniciativa é organizada pela Fundação “O Que De Verdade Importa”, que se dedica à promoção de valores universais entre os mais jovens e que anualmente organiza um congresso em Lisboa, e outro no Porto, tendo como oradores, pessoas que protagonizam histórias de superação, e que apesar de terem vivido situações limite e/ou trágicas, renovaram o seu compromisso com a vida.

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