Todos os sábados, entre as 10h e as 19h, o palácio da Guilherme Cossoul, junto ao Arco do Carvalhão, transforma-se num mundo literário (e por enquanto ainda bastante secreto) recheado de livros que vivem à margem das grandes superfícies: obras em primeira e segunda mão, peças raras de alfarrabista, livros de artista, edições de autor, fanzines, revistas literárias, livros que cruzam a ilustração, a poesia e banda desenhada.
A designer Inês Ramos junto às bancas de poesia e Banda Desenhada da feira
“Verifiquei que havia poucas livrarias, talvez três ou quatro, e além disso a oferta de autores era reduzida, não consegui encontrar, por exemplo, nenhum livro do Arménio Vieira, que é o maior poeta cabo-verdiano vivo”, recorda Inês Ramos, também conhecida, no mundo das letras, como Porosidade Etérea.
Banda Poética: o primeiro fanzine cabo-verdiano
A fama da feira, num país com pouca oferta literária, foi alastrando. No espaço começaram a aparecer muitos jovens interessados em banda desenhada e poesia, que levavam consigo os seus trabalhos para mostrar a Inês: “Traziam-me textos, desenhos, coisas lindas… Percebi que havia muita gente nova com potencial e então desafiei-os a criar um fanzine”.
Mais de 1.800 títulos
No Verão de 2012, Inês voltou para Portugal. Quando deixou Cabo Verde, deu “tudo o que tinha, roupa, mobília, mas trouxe cerca de 300 livros que tinham sobrado da feira”. “Não sabia o que havia de fazer com as obras mas queria continuar a feira e lembrei-me de falar com a Guilherme Cossoul. Eles receberam-me de braços abertos”, explica Inês ao Boas Notícias. A primeira feira arrancou em Setembro de 2012, com 300 títulos. Agora, o espaço já conta com mais de 1.800 livros.
Apesar de ter começado por destacar apenas poesia e banda desenhada, os 'dois amores' de Inês Ramos, a feira neste momento ampliou-se a outras áreas e já conta com uma banca de prosa e outra dedicada ao livro infantil, já que, diz Inês, “os editores não resistem em trazer outros títulos”.
Inês organiza a feira todos os sábados, de “forma quase militante”, demorando cerca de três horas para montar e outras duas horas para desmontar o espaço. “Claro que não vivo disto senão estava feita, mas é a minha paixão”, sublinha.
Para melhorar a organização das obras, Inês decidiu recentemente fazer um catálogo dos livros disponíveis que, agora, qualquer pessoa pode consultar e encomendar online. “Deu bastante trabalho mas compensa porque assim as pessoas podem, de qualquer parte do país, fazer as encomendas que quiserem”, explica.
A dona Isabel e a banca de livros grátis
Mas talvez o cantinho mais imprevisível desta feira seja a banquinha de livros grátis que nasceu por “culpa” de uma moradora do bairro. Inês conta que “há cerca de cinco meses, a dona Isabel apareceu na feira a dizer que tinha livros para oferecer”: “Eu perguntei se me queria vender os livros mas ela insistiu que não, que eram para oferecer a quem não tivessem dinheiro”. Inês achou a ideia “deliciosa” e foi a casa da senhora buscar os livros dando origem à banca de livros grátis.
A banca começou com apenas algumas dezenas de livros mas agora tem cerca de 300 obras e até já tem clientes habituais. “Há um casal que é leitor compulsivo que vem cá todos os sábados, levam três ou quatro livros, depois devolvem e levam outros”, conta Inês, garantindo que até “o livro mais improvável, que pensamos que não interessa a ninguém, encontra aqui alguém que o quer”.
Em Novembro, Inês vai ampliar a oferta de livros a Cabo Verde, onde fazem muita falta, sobretudo, livros técnicos e escolares. “Vou começar a enviar livros mensalmente para serem distribuídos em escolas e bibliotecas, através de uma fundação, por isso quem tiver livros desse género pode vir deixá-los na feira”, sublinha.
Um porto de abrigo
Para além de livros raros e únicos e desta original banca de livros grátis, a Feira da Poesia e da Banda Desenhada tem vindo a tornar-se um porto de abrigo dos apaixonados pelo mundo das letras e da BD. No dia em que o Boas Notícias visitou o espaço, por exemplo, cruzou-se com o mítico Geraldes Lino, autor de vários fanzines que até há poucos meses, e durante 28 anos, realizou a mais famosa tertúlia de banda desenhada de Lisboa e que, este ano, foi homenageado no Festival Amadora BD.
A feira acolhe também, regulamente, eventos como lançamentos de livros, tertúlias e conversas com autores. Por isso, se não resiste a um poema ou a obras da nona arte, já sabe: o ponto de encontro é aos sábados, na rua Professor Sousa da Câmara (às Amoreiras), e as portas estão abertas entre 10h e as 19h.