Um grupo de investigadores da Universidade de Coimbra identificou, pela primeira vez, os perfis de metabolização da população portuguesa, com implicações nas doenças neuropsiquátricas, o que poderá melhorar a segurança dos fármacos.
Um grupo de investigadores da Universidade de Coimbra identificou, pela primeira vez, os perfis de metabolização da população portuguesa, com implicações nas doenças neuropsiquátricas, incluindo as toxicodependências. A descoberta poderá vir a melhorar a prática clínica, bem como a segurança dos fármacos utilizados para tratar aquele tipo de patologias.
De acordo com um comunicado enviado ao Boas Notícias, a equipa multidisciplinar liderada por Manuela Grazina, coordenadora do Laboratório de Bioquímica Genética do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC), conseguiu identificar as alterações genéticas, caraterísticas dos perfis de metabolização, do gene CYP2D6.
Trata-se de um gene com múltiplas formas que codifica uma das principais enzimas envolvidas no metabolismo dos fármacos utilizados para tratar doenças neuropsiquátricas como a Depressão ou as toxicodependências.
Os investigadores da Universidade de Coimbra, que trabalharam em conjunto com especialistas de Badajoz, Espanha, identificaram os quatro principais perfis de metabolização – ultrarrápidos, muito lentos, extensivos e intermédios – sendo os dois primeiros, segundo Manuela Grazina, altamente problemáticos.
Isto porque, como explica a docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), “a eficácia do fármaco administrado depende da forma como o organismo o processa. Se a reação é muito lenta, o medicamento acumula-se no organismo e pode gerar efeitos indesejáveis. Se a reação é muito rápida, o fármaco é degradado, influenciando igualmente a resposta terapêutica”.
Ou seja, “as caraterísticas genéticas de cada indivíduo decidem a eficácia dos fármacos consumidos e o aparecimento de efeitos tóxicos”, esclarece a cientista, que assina o estudo que se encontra em fase de publicação na revista científica Personalized Medicine.
Benefícios para mais de um milhão de portugueses
O estudo, aprovado pela Comissão de Ética, envolveu 300 voluntários adultos portugueses de várias regiões do país e possibilitou concluir que mais de 665 mil portugueses possuem o perfil de metabolizadores lentos e 496.422 ultrarrápidos. Para fazer a extrapolação para a população portuguesa, a equipa utilizou resultados dos Censos 2011 publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Manuela Grazina salienta que estes resultados são “muito importantes para melhorar a segurança dos medicamentos” e, além disso, constituem “uma ferramenta essencial para a prática clínica”, já que “permitem ao médico prescrever a medicação e a dose mais adequadas, que podem evitar o surgimento de efeitos patológicos”.
A investigadora garante que “mais de um milhão de portugueses poderia beneficiar deste conhecimento” e defende que, dada a importância deste gene (que entra na metabolização de 25% dos fármacos regularmente utilizados na prática clínica) e considerando o impacto social e económico causado por doenças neuropsiquiátricas ou pela dor crónica, “um investimento neste tipo de estudos é crucial para a prevenção a longo prazo”.
A investigação foi desenvolvida no âmbito de um projeto internacional do Consortium of the Ibero-American Network of Pharmacogenomics and Pharmacogentics – RIBEF – onde também foram traçados os perfis das populações do Brasil, de Espanha, de Cuba, entre outras.
O estudo irá continuar com a investigação deste e de outros genes (como os recetores e transportadores de dopamina, serotonina) em toxicodependentes, em colaboração com a Unidade de Desabituação do Centro, para compreender as diferenças observadas na eficácia da desintoxicação, com base nas variações genéticas e metabólicas.