O QStamp® leva agora o nome da Mater Dynamics a todo o mundo e, em breve, a outros setores que não apenas o alimentar.
Fique a conhecer o potencial desta nanotecnologia pela voz do seu ‘criador’, Tiago Cunha Reis, e saiba quais as novidades previstas pela empresa para os próximos anos.
A grande tecnologia da Mater Dynamics é o seu “Selo Q”. Em que consistem estas etiquetas?
A tecnologia em si não são as etiquetas, são as moléculas que colocamos nessas etiquetas. Estas moléculas não são visíveis a olho nu, têm capacidade de medir variações de temperatura, pressão e humidade. Ou seja, são moléculas inteligentes porque apercebem-se das alterações e sabem comunicar essas alterações. Essa é a nossa grande vantagem.
A nossa segunda vantagem, em termos de inovação competitiva face ao que existe no mercado, é que colocamos essas moléculas diretamente em qualquer substrato. Pode ser um selo, e daí veio a tecnologia do Q Stamp, uma película plástica aderente, diretamente em vidro ou cartão. Passamos a imprimir – é o termo técnico que usamos – estas moléculas diretamente em produtos em vez de estarem associados a sensações de temperatura num dispositivo independente do produto em si.
Com uma aplicabilidade capaz de percorrer toda a cadeia de valor e de distribuição, de que forma podem ser usadas, tanto pelo consumidor final, como pelos grandes retalhistas e produtores?
Quando começámos a Mater Dynamics estávamos muito virados para o setor alimentar e continuamos com esse foco, a diferença é que queríamos resolver dez mil problemas ao mesmo tempo. Ou encontrávamos dez mil utilizadores em casa que não tinham um problema ou íamos diretamente a um organismo ou entidade que tinha seis mil problemas – os retalhistas. Hoje, a nossa tecnologia está muito mais virada para o controlo de stock alimentar no retalho, da produção até à prateleira do supermercado.
A verdade é que toda a estratégia que tem sido desenhada com os nossos parceiros tecnológicos e de negócio é para levar essa tecnologia para a casa das pessoas. Ou seja, a tecnologia, como continua válida a partir do momento em que passamos a caixa de supermercado, queremos passá-la também para os frigoríficos e despensas que as pessoas têm em casa.
Toda a tecnologia está a ser validada a nível regional, a nível nacional e a nível internacional. Por exemplo, agora estamos a monitorizar o peixe que está a sair dos Açores com destino a Madrid. No final de 2018 vamos começar a realizar os primeiros testes junto dos consumidores, em que a tecnologia fica ativa para os consumidores.
Neste momento, quais os grandes clientes da Mater Dynamics?
Estamos em três mercados – Portugal, Espanha e Reino Unido. Temos algumas experiências, nada muito sólido, em Itália, e estamos muito virados para o setor do retalho alimentar, isto é, entidades que não controlam a produção, só controlam a venda. Têm de ter a capacidade de receber essa informação desde a produção, gerir os seus entrepostos comerciais e distribuir para diferentes armazéns ao longo do país e depois fazer chegar esses produtos à prateleira dos supermercados que também têm espalhados. Neste momento, este é o nosso foco.
Estão muito focados para o setor alimentar, mas acredita que a tecnologia que desenvolveram poderá ser útil noutras atividades?
Sim, no setor farmacêutico. Por uma simples questão: quando falamos em medir a temperatura, podemos medir a temperatura de um peixe, de uma carne, de uma vacina, de uma árvore. Medimos variáveis. Essas variáveis têm diferentes impactos em diferentes setores. Por foco interno da empresa, estamos muito virados para o setor alimentar, mas temos abordagens comerciais e algumas pessoas vêm ter connosco para testar a nossa tecnologia dentro de outras gamas, de outras aplicações.
Por exemplo, em termos de medicina veterinária, estamos a desenvolver uma parceria com uma empresa no Reino Unido para que a tecnologia Q Stamp seja capaz de detetar um composto orgânico volátil que é transmitido pela gripe aviária. Ou seja, também estamos a testar a capacidade de o nosso sensor detetar esta perturbação que está a sentir e comunicar que é indicativo de uma doença na qual é preciso atuar rapidamente.
O foco da empresa é sempre muito virado para o setor alimentar, onde temos o controlo desde a produção até à integração do produto, mas temos vários parceiros tecnológicos com os quais partilhamos e disponibilizamos a nossa tecnologia para soluções que eles querem efetuar noutros mercados.
Com um background predominantemente académico e do mundo da investigação, foi muito difícil transpor a mentalidade científica que permitiu desenvolver esta nanotecnologia para uma mentalidade mais operacional e voltada para o negócio e para o mercado?
Isso é o resumo do ano 2015. Quando desenvolvemos esta tecnologia e começámos a dar os primeiros passos, se calhar ainda muito por carolice a nível académico, fizemos uma coisa que hoje em dia é muito importante e foi vital para a empresa – desenvolvemos qualquer coisa e mostrámos logo a alguém que podia utilizar. Pensámos em trinta características para o nosso produto e, depois de todas as conversas que tivemos, analisámos que só precisaríamos de duas ou três. E focámo-nos nessas duas ou três. A partir desse momento ficámos muito pragmáticos. Não temos aquela ideia de desenvolver de base tudo em laboratório, mas sim de base o que é realmente necessário ou melhorar o que ainda não está ótimo. Por isso, essa transição do meio académico para o meio empresarial tem sido natural porque estamos sempre em parceria com os nossos clientes. Temos muitas empresas que, quando vêm ter connosco, sabem as suas especificações técnicas e também nos ajudam a orientar os nossos níveis de investigação e por aí fora…
Segundo a Food and Agriculture Organization, em Portugal, cada cidadão desperdiça 97 quilos de comida por ano, o que representa cerca de 634€ numa família de quatro pessoas. A Mater Dynamics e o próprio Q Stamp nasceram para dar resposta a este problema – o desperdício alimentar?
Sim, há uma estatística ainda mais agressiva do que essa: diariamente, por pessoa, uma em cada três refeições acaba no lixo. Ou seja, estamos a falar que 33% de tudo o que produzimos no planeta vai parar ao lixo. E não é só resto de comida que fica em excesso no prato, são plantações que não foram devidamente programadas, desde transportes que são deficientes em termos de qualidade do produto e isso é o core da Mater Dynamics. Nós combatemos o desperdício alimentar.
Talvez seja mais fácil apelar a este combate em termos de poupanças para o consumidor, mas se gerirmos melhor as nossas atividades agrícolas, os nossos processos de transporte, também vamos reduzir o impacto ambiental, que é uma coisa que também valorizamos.
Estamos completamente virados para a preservação da comida e evitar o desperdício alimentar ao máximo, sempre com a consciencialização de que é preferível prevenir do que estar a remediar.
A gravidade desta situação chega à Europa, onde cerca de 88 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçadas anualmente na União Europeia (UE), com custos estimados em 143 mil milhões de euros. Foi pelo potencial de resolução desta realidade que decidiram candidatar-se ao SME Instrument da Comissão Europeia?
De certeza que é um produto que começa a ser muito necessário, quer ao nível da regulamentação da UE, quer ao nível de casos práticos em que podemos atuar logo.
Fala-se muito em fraude alimentar e em depreciação de alimentos em portos, etc… O problema está lá.
Candidatámo-nos por uma simples questão que tem que ver com o perfil e com o DNA da Mater Dynamics: somos muito aplicados. Se conseguimos desenvolver uma tecnologia com uma solução prática, nada melhor que testá-la num grande mercado como a UE.
Ao associarmos uma grande problemática, na qual há uma grande urgência de aparecimento de soluções, e tendo algo em que já temos alguma confiança que funciona, isso foi o principal motivo para nos candidatarmos ao SME Instrument.
Como uma das três empresas portuguesas selecionadas, de um total de 184, depois de 2111 candidatas, receberam 50 mil euros de financiamento europeu. Onde vão aplicar este montante?
Atendendo a que temos a história da pressão e da temperatura, ou seja, as variáveis, temos um grande problema internamente que está relacionado com a denotação da tecnologia onde ela é mais crítica.
Temos de executar estudos junto de parceiros tecnológicos e futuros clientes em que temos de avaliar se vamos ter mais impacto imediato se controlarmos, por exemplo, carne, ou peixe ou legumes. Estes 50 mil euros vão ser desmultiplicados em vários projetos-piloto, quer para tentarmos perceber em que tipo de gama de produtos devemos atuar rapidamente, quer para ver que tipo de dimensão de escala precisamos adequar rapidamente a nossa estratégia. Por exemplo, faz mais sentido controlar o peixe que sai dos Açores para Madrid ou carne que sai de Beja e vai para Matosinhos? Onde é que está o maior valor que a empresa pode representar. Isso é cultura de exploração, usando e validando a tecnologia em diferentes áreas para concluir os próximos passos a dar e onde atuar mais rapidamente.
Foram vencedores do 9º Concurso de Ideias de Negócio do DNA Cascais, da edição 2015 do Energia de Portugal (agora EDP Open Innovation), selecionados para um programa de formação no MIT (em Boston), entre outros prémios. O que é estas distinções trouxeram para o vosso projeto e para a vossa equipa?
Somos uma empresa hard tech, ou seja, por muito que queiramos reduzir custos, há sempre custos associados. Por exemplo, compramos placas de aquisição só para fazer testes – as coisas podem correr muito mal e são logo 200 euros. Há uma grande necessidade de capital a entrar, e esses prémios, para quem ainda não quer formalizar uma empresa e para quem ainda não tem a certeza da validade da ideia e da proposta de negócio, são bastantes importantes do ponto de vista monetário.
Depois há outra coisa, a equipa é puramente de engenharia e ciências, pessoas com um mindset muito virado para a vida académica e às vezes o sucesso de uma empresa, por muito tecnológica que ela seja, não depende tanto da tecnologia em si, mas sim da forma como se aborda o modelo de negócio, como se comunica de forma clara a proposta comercial a um cliente e tentar adquirir estratégias de crescimento.
Por motivos diferentes, cada um dos concursos em que participámos deu-nos essa experiência extra que nunca tínhamos recebido, apesar de termos doutoramento. Nesse sentido, quando concorremos, ou foi para validar a ideia em 2015, ou para tentar arranjar algum financiamento para desenvolver um protótipo ou então para alargar a nossa rede de contactos para termos um modelo de negócio mais forte.
Desde a ideia, pensada em 2013, passando pela prototipagem e validação do conceito, durante 2015, até à atualidade, com a implementação e disseminação do produto no mercado, como encara a evolução do projeto Mater Dynamics?
Alucinante! Há dois anos estávamos a correr campos na zona de Santarém, Caldas da Rainha com protótipos.
Hoje estou aqui e já tenho um escritório no Porto e um aqui em Lisboa, e estou a contratar pessoas. Primeiro, para quem veio da academia como eu, e que fez o doutoramento, houve uma mudança pessoal em termos de sentido prático. Olhar para a tecnologia mais como uma coisa para resolver problemas e não para perceber como é que se resolve o problema. Não tanto o conhecimento pelo conhecimento, mas sim o conhecimento para aplicação.
Em termos da equipa, também está a estruturar-se, está a ficar mais prática. Hoje em dia já há muito mais a conceção do valor comercial para o cliente do que o valor que a tecnologia pode trazer futuramente. Por isso é uma questão de maturidade, mas uma maturidade mais dirigida para o negócio em si do que éramos três ou quatro pessoas há dois anos com umas ideias no bolso.
E quais são os objetivos/novidades que pretendem atingir/lançar nos próximos anos?
A longo prazo, e não só num registo nacional – porque já começamos a dar alguns passos internacionais, a Mater Dynamics deve ser uma das empresas mais pioneiras em termos de sensores. Não estamos a focar os nossos sensores para aplicações específicas, mas sim a capacidade que temos de os fazer cada vez mais pequenos, cada vez mais leves e que consomem cada vez menos bateria. Vamos ser uma empresa na área da nanofabricação muito avançada a nível europeu. Sem sombra de dúvida, isto está no nosso timeline de três para cinco anos.
A curto prazo, o que tem acontecido, e também fruto do processo de aprendizagem desde 2015, foi que com o Q Stamp começámos no setor alimentar, e houve pequenas aplicações em que não quisemos explorar de forma tão intensa do ponto de vista tecnológico como no setor alimentar, mas arranjámos parceiros comerciais para o fazer. A verdade é que os nossos resultados de laboratório, conjugados com os deles, já começam a fazer coisas bastante engraçadas. O Q Stamp vai-se tornar num dispositivo médico para ser comercializado por uma empresa alemã. Esses relatórios vão começar a sair no final de setembro e depois será feita toda a divulgação.
Cada vez mais estamos naquele core tecnológico de desenvolver soluções para alguém integrar, e isso é a nossa abordagem, e cada vez mais vamos ver novas aplicações do Q Stamp que nem sequer a equipa fundadora pensou poderem estar hoje a ser desenvolvidas.
O facto de estabelecerem essas parcerias com outras empresas e desenvolverem outros produtos (mais específicos) também está por detrás do sucesso da Mater Dynamics?
Não gosto muito de falar de sucesso, mas acho que se as coisas correm bem (porque às vezes também correm mal) é porque hoje em dia temos um discurso muito virado para as necessidades do cliente. Há algumas empresas tecnológicas, start-ups, que estão muito centradas na qualidade do seu core, e na qualidade dos seus materiais e às vezes perdem-se um pouco ao transmitir esse valor para o cliente.
Hoje em dia, a maneira como abordamos um cliente é completamente diferente. Somos muito diretos, pragmáticos e fazemos demonstrações no local. O nosso sucesso veio porque melhorámos muito a nossa forma de comunicar com pessoas que não são de tecnologia, mas que decidem sobre a tecnologia. E também porque chegamos lá, executamos o trabalho e surge qualquer coisa, qualquer coisa de palpável e então vamos experimentar. É um bocadinho por aí…
E conseguiram alterar e adaptar bem o discurso científico?
Sem sombra de dúvidas que, quando fazemos uma pequena abordagem comercial, diria que inicialmente 30 a 40% do tempo era usado para discutir a tecnologia, e as pessoas não queriam saber. Hoje em dia isso está reduzido a 5 – 6% se for preciso, nada por aí além.
Custa-me, como académico, não estar a valorizar a tecnologia, mas penso a longo termo: isto é um passo que tenho que dar. Para resolver um problema, sei como se resolve. A verdade é esta: quem tem um telemóvel não quer saber como funciona o telemóvel, quer saber o que o telemóvel faz. Como ele é feito não interessa. É um pouco esta abordagem que agora estamos a reestruturar.
Inovar é…
Resolver problemas
Virtudes de um investigador e de um empreendedor
De um investigador, a capacidade de trabalhar sem direção, ou seja, capacidade de fazer pesquisa sem ter orientações, tentar definir o seu próprio caminho, trabalhar sem pistas. De um empreendedor, o trabalhar sobre a paixão de algo acontecer. Construir alguma coisa com aquela ideia que estava no laboratório e que ia ficar numa gaveta, e que agora está a funcionar
Lema de vida
Gosto de fazer as coisas com calma e pensadas, sou muito flexível
App favorita
Hobbies
Gosto muito de futebol e adoro cães, estudo mesmo o comportamento canino
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