“As demências são um conjunto de doenças neurodegenerativas, o que significa que as células morrem e não podem ser restituídas. Isto causa um declínio progressivo no funcionamento da pessoa que não pode ser restabelecido, mas pode ser retardado, com recurso às terapias não-farmacológicas de intervenção multidisciplinar. O principal objetivo destas terapias é manter as capacidades preservadas durante o maior período de tempo possível e, para tal, as sessões em grupo parecem ter alguns benefícios acrescidos”, explica Margarida Rebolo, neuropsicóloga no NeuroSer, Centro Diagnóstico e Terapias para Doença de Alzheimer e outras patologias neurológicas. “O que a literatura nos diz é que a estimulação cognitiva, ocupacional e/ou motora em grupo melhora a comunicação, o humor (disposição) e o bem-estar geral, devolvendo um sentimento de competência e eficácia à pessoa e, por isso, proporcionando maior qualidade de vida”, especifica a terapeuta, que garante verificar estes benefícios na sua prática quotidiana.
Nestas sessões de grupo, conforme especifica a terapeuta ocupacional do mesmo centro, Ana Matias, o que se procura é “criar atividades onde os vários elementos do grupo se sintam confortáveis por participar, onde a frustração de lidar com as perdas funcionais é eliminada e é promovido o lazer e a participação social”. Margarida Rebolo acrescenta que “mesmo em grupo, é importante respeitar a individualidade”.
Para responder a esta premissa, neste centro foi criado o conceito Manhãs e Tardes no NeuroSer, que pode ser composto por três ateliers distintos de terapias de grupo (atelier ocupacional, atelier da memória e atelier do movimento) que pretendem dar acompanhamento à pessoa com demência durante um período mais alargado. É possível frequentar uma manhã ou uma tarde por semana, por períodos semanais variados (ex: duas manhãs e uma tarde) ou até mesmo permanecer todo o dia, em função das necessidades e disponibilidade da pessoa/família. Os grupos são de dimensão reduzida e as atividades são desenvolvidas por uma equipa multidisciplinar, que tem em conta os seus interesses pessoais, as suas histórias de vida, a sua dinâmica familiar e as suas capacidades cognitivas e motoras.
No atelier ocupacional, “isto pode ser traduzido na realização de atividades do dia-a-dia, como cozinhar, passear, realizar jogos e trabalhos manuais. Coisas que fazem a pessoa identificar-se com os pares, uma vez que se sente capaz de realizar as tarefas e assumir responsabilidades (como cuidar de uma planta), o que irá proporcionar uma alteração positiva no humor”, explica Ana Matias. A terapeuta responsável pelo atelier salienta que as atividades promovem o envolvimento e o desempenho dos utentes num interesse comum ao grupo, o que potencia o sentimento de pertença e coesão e, consequentemente, ajuda a combater o isolamento.
Já no atelier da memória o objetivo é promover a conversação e interação, utilizando “perguntas de opinião para promover o pensamento crítico e a troca de impressões entre os participantes do grupo”, esclarece a Margarida Rebolo, neuropsicóloga no NeuroSer. “Para além disso, recorre-se muitas vezes a técnicas de reminiscência, onde a pessoa revê acontecimentos passados com recurso a fotografias, por exemplo, e a estímulos manuais (ex: construir e preencher a sua árvore genealógica)”, acrescenta a terapeuta responsável pelo atelier de memória. Estas atividades podem ser igualmente implementadas numa abordagem individual à pessoa com demência. A vantagem das sessões em grupo é que, explica Margarida Rebolo, “muitas vezes a pessoa nem se apercebe que está a realizar uma tarefa mentalmente exigente quando interage com os outros, o que gera melhores resultados, sobretudo ao nível da motivação”, Para além disso, a socialização permite estimular as funções cognitivas num todo, ativando o cérebro de uma forma mais vasta, potenciando um funcionamento cognitivo adequado, sentimentos de autoconfiança e união entre os membros.
Outra das vertentes das terapias não-farmacológicas com vista à manutenção das capacidades das pessoas com demências é a função motora. Para muitas das pessoas com demência, até os movimentos mais simples podem ser difíceis, seja devido à idade, seja devido à própria demência, que pode afetar as funções motoras. “E, por isso, é importante treinar estas funções, com recurso à realização de vários exercícios que envolvam a mobilidade geral, o fortalecimento muscular, a expressão corporal, o ritmo, a coordenação motora e a marcha”, especifica Mariana Mateus, fisioterapeuta. Este tipo de atividades compõem oatelier de movimento, onde “são utilizados diferentes materiais (ex: bolas, arcos, bastões), que tentam englobar as várias funções motoras”, explica, acrescentando que “um dos momentos mais apreciados pelas pessoas do grupo é a dança, onde há liberdade para cada um sentir a música à sua maneira”.
Mas, para além de promover a autonomia motora, quer-se também “proporcionar um momento de bem-estar físico e emocional, e também de sociabilização entre as pessoas do grupo, trabalhando de forma integrada as funções motoras e cognitivas”, sublinha a fisioterapeuta, justificando que “a intervenção nestas patologias deve ser realizada de forma holística”.
De forma a garantir uma intervenção global entre os váriosateliers, as atividades dos três ateliers realizam-se em torno do tema do mês definido no NeuroSer, nos quais, apesar de tudo, a palavra de ordem é “flexibilidade”. Em complemento ou alternativa ao acompanhamento individual da pessoa com demência, as sessões de grupo parecem ser uma mais-valia, não só para a pessoa com demência, mas também para os seus cuidadores/familiares.
Para além disso, o conceito Manhãs/Tardes tem como objetivo permitir o descanso do cuidador/familiar, permitindo-lhe realizar atividades significativas para si durante aquele período.