Uma equipa portuguesa constituída por um laboratório central de genética e uma rede de neuro-oftalmologistas e tendo por base um novo modelo de gestão da doença vai dar início, no próximo ano, a um projeto de investigação na área da genética, que pretende encontrar novas pistas e caminhos para a compreensão da Neuropatia Óptica Hereditária de Leber (LHON), uma doença rara, hereditária, incapacitante e que provoca uma perda de visão rápida e, na maior parte dos casos, permanente em jovens ou adultos, afetando gravemente a sua qualidade de vida. “O nosso objetivo é, nos próximos dois anos, oferecer, semcustos para os hospitais e para os doentes, um teste genético completo, que permita perceber, nestas atrofias óticas nos doentes portugueses, qual é a causa da doença”, explica Manuela Grazina, docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (UC) e responsável pelo Laboratório de Bioquímica Genética do Centro de Neurociência e Biologia Celular da UC.
“A genética pode dar muitas respostas não só à melhor caracterização da fisiopatologia, mas também em relação ao tratamento e ao prognóstico”, acrescenta Fátima Campos, diretora do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte, que faz também parte da equipa que compõe este projeto, considerado “uma mais-valia. Com a colaboração de outros hospitais conseguiremos saber qual a incidência desta doença em Portugal e ter resultados importantes a nível genético”.
“Acreditamos que é um avanço gigantesco, não só a nível nacional, mas com impacto a nível internacional. É preciso um pouco de ousadia para sair da caixa e procurar outros dados. Na LHON, há três mutações clássicas identificadas e quando não se encontra nenhuma, o doente acaba por ir parar a um ‘saco’ de atrofias ópticas sem diagnóstico. E, às vezes, não se faz o diagnóstico porque não se olha para outras direções”, reforça Manuela Grazina. É isso que vai fazer uma equipa multidisciplinar portuguesa que, com o apoio da Santhera Pharmaceuticals, uma companhia de R&D com sede na Suíça, inicia o trabalho já em 2018. “Vamos estabelecer um protocolo de seleção dos doentes, com critérios clínicos muito bem definidos, graças ao apoio dos médicos, que são pontos-chave neste projeto. E estimamos conseguir fazer testes num mínimo de 40 doentes, de todo o país, em dois anos.”
Um trabalho de equipa, que Manuela Grazina não tem dúvidas ser capaz de “fazer a diferença para esta doença, tão devastadora. Não sei se as pessoas têm a noção do que é, para alguém com 25, 26 ou até 40, que tem a sua vida profissional e pessoal, deixar de ver de um dia para o outro. O mundo desaba. Sou altamente defensora da investigação nestas doenças, porque só assim é que encontramos as causas e só encontrando as causas é que podemos desenvolver tratamentos. E o argumento de que é rara não faz sentido, porque uma doença só é rara até chegar a nós e quando isso acontece já é a maior prioridade do mundo. Se cada um de nós tem os mesmos direitos, não interessa a frequência com que há na população.“
A LHON é uma doença “muito rara, herdada por via materna” e que, sobretudo nos elementos do sexo masculino, que são os mais afetados, “tem uma repercussão funcional grande”, revela Fátima Campos. A incidência é maior no adulto jovem, impedindo-se de levar uma vida normal. “Impede-o de ler, de escrever, de ter a atividade profissional que tinha antes e, sendo jovem, a vida fica completamente modificada.”
Apesar da existência de tratamento, o diagnóstico é complicado. “Do ponto de vista clínico, o médico pensa mais naquilo que é frequente do que naquilo que é raro. Todos os pormenores característicos da doença podem passar despercebidos”, alerta a especialista, confirmando “que há aspetos que podem ser identificados numa fase antes do aparecimento dos sintomas”, o que pode fazer a diferença em relação à evolução do prognóstico.