Clara Lopes tem 66 anos e é fundadora e presidente da Associação Migos. Patrícia Reis tem 43, é sócia fundadora e vice-presidente. Em abril de 2017, tiveram conhecimento do Projeto Octo, da Dinamarca [com início em 2013] e juntaram esforços para trazer a ideia para Portugal. Surgia assim o “Projeto Migos”, inspirado no modelo original, e com o objetivo de juntar um grupo de voluntários a confecionar polvos de croché para doar a bebés prematuros em unidades neonatais.
Um em cada dez bebés em todo o mundo nasce prematuro. Em Portugal, segundo o Instituto Nacional de Estatística, em 2016, registaram-se 87 440 nados-vivos, dos quais 7.8% foram pré-termo e 1.0% muito pré-termo (nascidos antes ou às 32 semanas de idade gestacional).
Atualmente, o projeto dinamarquês faz doações para 16 hospitais de toda a Dinamarca, tendo distribuído mais de 25 mil polvos, como forma de confortar os recém-nascidos. Através de uma primeira experiência piloto, realizada no Hospital Universitário Aahrus, foi possível perceber que estes bebés apresentavam uma melhoria nos sistemas respiratório e cardíaco, além do aumento dos níveis de oxigénio no sangue. Os responsáveis do projeto defendem que, ao abraçar o brinquedo, feito de croché, os recém-nascidos sentem-se mais calmos porque os tentáculos remetem-nos para o cordão umbilical, conferindo a sensação de segurança semelhante à vivenciada no útero materno.
Clara e Patrícia começaram a investigar a realidade dos bebés prematuros em Portugal, e avançaram com o projeto nacional, registando-se uma primeira doação, no Dia Mundial da Criança, do ano passado, na Maternidade Dr. Alfredo da Costa (MAC). Em simultâneo, as responsáveis foram contactando outros hospitais para propor a doação nas unidades neonatais respetivas. Desde 1 de junho do ano passado, foram entregues 979 “migos” [nome que atribuem aos polvos], em vários hospitais de Lisboa e da margem Sul do Tejo, além da MAC, como por exemplo, Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE (Hospital de Santa Maria), Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca, EPE., ao Hospital de Dona Estefânia, Hospital de São Francisco Xavier e Centro Hospitalar Barreiro Montijo, EPE., Hospitais, entre outros “Estamos ainda em conversações com mais hospitais”, avança Clara Lopes.
Relativamente a outras zonas do país, há sempre interesse em “expandir o projeto” mas nem sempre é fácil gerir algumas burocracias, a distância e a falta de possibilidade de falar presencialmente com os hospitais. “Somos todos voluntários, trabalhamos a tempo inteiro, e algumas dificuldades são acrescidas por esse motivo”, explica Clara. Houve ainda uma iniciativa pontual com o Hospital Central de Maputo, onde foram entregues 45 polvos por uma estudante de Medicina que realizou um estágio em Angola e se prontificou a levar alguns, a pedido da instituição.
“Enviamos também polvos via CTT ou pessoalmente, para todo o país, caso existam pedidos de particulares, em hospitais que não fazem parte da nossa rede, mediante a solicitação de pais que ficaram a conhecer o nosso projeto” – Clara Lopes
São vários os voluntários desta iniciativa que unem esforços para confecionar polvos, além de serem enviados muitos donativos por parte de particulares. “Como temos um patrocinador, a empresa Mez Craft, que fornece parte das linhas Anchor Creative, que necessitamos, cada voluntário recebe um kit com o material adequado para a confeção”, explica a presidente. E acrescenta: “Temos também parceria com o projeto ‘Do maior para o mais pequeno’ da Câmara Municipal da Amadora, apadrinhado pela atriz Carla Chambel que, ao mesmo tempo, que usa a confeção dos polvos como ocupação de tempos livres para seniores das instituições do município, ajuda-nos na obtenção dos número necessário para a doação”. O projeto conta ainda com uma parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Almada e está a iniciar outra com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Como ajudar?
Este projeto conta com donativos monetários que permitem suportar alguns gastos com envios via CTT, mas também com material necessário, como linhas, enchimentos e compressas. Quem tiver interesse, pode também doar esse mesmo material diretamente.
A cada polvo, as responsáveis colocam uma compressa, entre o croché e o enchimento para garantir que não saia nenhum fiozinho do enchimento e que possa prejudicar o bebé. “Os polvos não podem conter nenhum material que não seja 100% algodão”, esclarece a mentora. Os guizos e os botões são totalmente proibidos pelo risco de magoarem estes bebés que são muito mais frágeis dos que nascem a termo.
Quando os polvos são entregues às responsáveis, são vistoriados, para verificar se não têm nada de estranho dentro dos mesmos e para garantir que a quantidade de enchimento é a mais correta. “Se utilizarem nossa receita [disponível no site www.migos.pt], os polvos deverão ter 12 gramas de enchimento. Verificamos também se todas as costuras estão firmes e que não abrirão com o manuseamento”, diz Clara. Depois, cada polvo é lavado a 60 graus e devidamente embalado. Segue depois para o hospital, juntamente com um postal da associação com uma frase positiva.
A distribuição é feita mensalmente e pessoalmente em cada hospital, e sempre que os hospitais solicitem alguns extras. “Enviamos também polvos via CTT ou pessoalmente, para todo o país, caso existam pedidos de particulares, em hospitais que não fazem parte da nossa rede, mediante a solicitação de pais que ficaram a conhecer o nosso projeto”, explica a responsável. Para muitos destes bebés, este passa a ser o seu primeiro boneco e “amigo”.
“A presença destes bonecos permite que o bebé agarre e brinque com os braços do polvo, mimetizando o que, muitas vezes, terá feito no útero materno com o cordão umbilical, por exemplo” – Constança Cordeiro Ferreira
E são precisamente os pais que enviam fotografias e e-mails a agradecer a doação. “Sabemos também, através das enfermeiras dos hospitais, que muitos deles ficam tristes quando têm de deixar os seus bebés sozinhos em determinada noite, uma vez que os polvos devem ser lavados a cada cinco dias, e esse trabalho é da sua competência”, sublinha Clara.
Tranquilidade e conforto
O projeto tem vindo a crescer exponencialmente e há imenso trabalho pela frente. A página no Facebook, por exemplo, já conta com mais de 5000 seguidores. Uma das curiosidades é o facto de esta associação envolver a população em geral e de conseguir ocupar os tempos livres dos seniores. “Temos senhoras que são verdadeiras ‘mestres’ em croché, e temos recebido um feedback muito positivo pelo facto de sentirem que estão a ajudar estes bebés”, explica Clara.
Constança Cordeiro Ferreira, diretora do Centro do Bebé, terapeuta de bebés e Conselheira de Aleitamento Materno da Organização Mundial da Saúde e da Unicef, foi a escolha natural para ser madrinha deste projeto. “Foi ela que, com uma simples publicação no Facebook e que teve quase 10 mil likes, desencadeou uma avalanche de contactos importantes. Como poderíamos escolher outra pessoa?”, foca a presidente.
Para a terapeuta, foi “um orgulho” aceitar este convite. “De facto, foi com muita ternura que tomei conhecimento destes polvinhos que ‘abraçam’ os bebés prematuros, numa altura tão importante e frágil das suas vidas. Acredito verdadeiramente que o conforto e toda a ajuda que possa ser dada aos bebés nesta fase podem ser significativos na forma como ultrapassam os desafios da prematuridade com mais sucesso e resiliência. O facto de os polvinhos serem elaborados manualmente, por parte de voluntários que doam o seu tempo e materiais a esta causa, torna-os ainda mais especiais”, diz.
Para quem está habituada a trabalhar com bebés diariamente, o desafio da prematuridade tem também impacto neste projeto em particular. “Um bebé prematuro termina a sua gestação fora do útero, num ambiente controlado de uma incubadora, mas onde o toque (o primeiro sentido a desenvolver-se ainda dentro do útero) vai ter um papel fundamental. Os prematuros passam por desafios complexos, são muito manipulados, passam por muitas intervenções e o conforto sensorial é fundamental, não só pelo contacto pele a pele, com o pai ou a mãe, mas sempre e em todos os casos em que seja possível. Neste caso, a presença destes bonecos permite que o bebé agarre e brinque com os braços do polvo, mimetizando o que, muitas vezes, terá feito no útero materno com o cordão umbilical, por exemplo”, acrescenta.
Constança vai mais longe ao referir que estes polvos são “um raio de esperança e alegria para pais e profissionais. Tudo o que possa aumentar o bem estar destes bebés vai ter um potencial importante para o manter tranquilo e mais confortável”.
Reunir vários voluntários
No próximo dia 24 de março, a Associação Migos vai realizar o primeiro encontro de voluntários, na Casa Qui, Casa dos Direitos Sociais, em Lisboa [Rua Ferreira de Castro], para comemoração do primeiro ano do projeto e para que os voluntários se conheçam pessoalmente e troquem ideias desta experiência conjunta.
Pontualmente, sempre que são feitos pedidos, são realizados workshops de três horas e meia que ensinam a confecionar polvos, a um mínimo de dez participantes. Organizam-se também encontros semelhantes sempre que o projeto trabalha com algumas instituições de idosos.
Para mais informações, aceda a http://migos.pt ou à página no Facebook https://www.facebook.com/projetomigos/
Para conhecer o projeto dinamarquês, aceda a https://www.spruttegruppen.dk