Sociedade

“Parti de Sagres à redescoberta do meu próprio país”

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Há três anos, Nuno Ferreira embarcou naquela que viria a ser uma das grandes aventuras da sua vida: percorrer Portugal de norte a sul. Foi a necessidade de experimentar um jornalismo diferente que o fez deixar o carro em Lisboa e partir a pé pelas estradas e serras do país.

Nuno Ferreira nasceu em Aveiro em 1962. Como jornalista, trabalhou no Expresso e no Público. Sempre se interessou pela sociedade mas em 2008 quis ir mais longe e fez-se à estrada para conhecer o Portugal profundo. Uma viagem que se prolongou por três anos e que será agora retratada no livro “Portugal a Pé”, a lançar nas próximas semanas.

Depois de três anos a percorrer o país está tudo visto, ou ficou muita coisa por ver?
Demorei esse tempo porque tive várias e demoradas interrupções. Fica sempre muita coisa para ver, e é isso que gostaria de fazer agora, ou seja, regressar a locais onde não passei ou passei de fugida.

O que é que significa para si percorrer Portugal a pé? Por que não de bicicleta, por exemplo?
Optei por fazer a travessia a pé porque se adaptava mais às minhas características pessoais e porque de bicicleta não percebo nada. Não estou nada arrependido, demorei mais tempo mas sinto-me recompensado.

Abrir o mapa e escolher um sítio para partir não deve ser fácil. Porquê Sagres?
Comecei a viagem em colaboração com a revista “Única” do “Expresso” e a luz verde para eu começar veio em pleno final de Fevereiro. Decidi começar pelo Algarve porque o tempo era mais ameno e por Sagres pela simbologia das Descobertas. Parti de Sagres à descoberta ou redescoberta do meu próprio país.

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Quando partiu tinha um objetivo em mente ou foi simplesmente à descoberta?
Tinha um objectivo e inclusivamente esta ideia ou projecto já vinha a ser pensada enquanto trabalhava no “Público”. A ideia foi sempre a de redescobrir o dito Portugal profundo de uma forma mais lenta, com uma respiração e uma aproximação aos portugueses do interior que as minhas anteriores reportagens não permitiam.

Que Portugal encontrou nesta viagem?
Por um lado, percebi que dentro de uma mesma região existem realidades muito diferentes. Depois, inevitavelmente fui também vivenciando o abandono e a desolação a que foi votado o país que existia há algumas décadas, o país rural, com uma rede enorme de aldeias. Hoje, basta passarmos debaixo do tabuleiro das auto-estradas e percebermos que há um país a duas velocidades: Um que corre para os centros no litoral e o outro, por baixo do tabuleiro, rural e ao abandono.

Qual é a sensação de percorrer quilómetros de estrada ou de serra sem ver ninguém por lugares onde dificilmente o encontrariam?
Portugal é um país muito seguro. Subir e descer as serras junto a paisagens lindíssimas traz consigo um sentimento de libertação muito grande. Houve mais de uma ocasião em que descia da serra, chegava à vila mais próxima, comprava o jornal ou via televisão e só me apetecia regressar imediatamente lá para cima, para o ar puro e para a paz e silêncio da montanha.

Foi bem recebido pelas pessoas?
A forma como se é recebido varia muito de região para região e de povoação para povoação. Esse é o maior desafio da viagem. Nunca se sabe como a terra para onde estamos a caminhar nos vai receber. No dia em que chegamos a uma determinada aldeia, pode estar a haver uma festa e toda a gente está contente mas também pode ter havido um roubo ou existir muito desemprego e as pessoas andarem descontentes. É uma lotaria. Muita gente não acreditava que eu estivesse a atravessar o país a pé. De um modo geral, ficavam fascinados ao perceber o que eu estava realmente a fazer.

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Há algum lugar pelo qual passou ao qual tem um desejo especial de voltar?
Portugal tem várias zonas lindíssimas. Nalgumas gostei tanto daquilo, que as pessoas me convidavam a ficar por lá. Eu já conhecia ou achava que conhecia o país como jornalista mas a pé acabei por me sentir surpreendido por encantos, belezas naturais e pessoas que em reportagens anteriores, de carro, não tive a facilidade de encontrar. Foi assim no interior da Serra da Estrela, foi assim no interior dos concelhos de Castro Daire e São Pedro do Sul, foi assim no Barroso, foi assim no Alvão.

No seu blog fala por várias vezes do país desertificado humanamente, da falta de cuidado pelo património, mas também encontrou coisas que o tocaram pela positiva?
Com certeza. Encontrei uma natureza lindíssima e em bruto, muitas vezes, mal promovida pelos organismos estatais. Encontrei também pessoas e instituições espalhadas pelo país que resistem no interior e fazem música popular, teatro, organizam eventos, mantêm o país real vivo. No blog e nas minhas crónicas no site do Café Portugal elas estão lá.

Quando pensa nesta aventura qual é a imagem que lhe vem à ideia?
Sinto muita nostalgia, muita vontade de regressar aos sítios por onde passei, muita saudade das pessoas que encontrei e que me receberam. Sinto vontade de regressar à estrada, também.

Esta viagem mudou também a sua forma de encarar o jornalismo?
Não, acho que não. Sempre procurei imiscuir-me no meio das pessoas e dos lugares e observar. No caso concreto da viagem, o desafio era maior porque na maior parte das vezes as pessoas tinham dificuldade em aceitar que o individuo de mochila que lhes passava à porta ou entrava no café fosse jornalista. Foi um desafio adicional, o de ganhar a confiança das pessoas transportando a imagem de mochileiro.

O projeto para escrever este livro já o tinha em mente antes da viagem ou foi uma necessidade que surgiu com o que foi descobrindo?
Sempre existiu e foi crescendo à medida que ía acumulando material, tanto crónicas como fotografias.

O que é que ele traz aos leitores?
O livro é a narrativa simples da viagem feita de norte a sul e do que encontrei ao longo do caminho. É o país visto a pé, visto da estrada. Tem peripécias mas também tem encontros com pessoas que normalmente não vemos na televisão. São elas que compõem o país mas é-lhes dado pouco tempo de antena.

A aventura terminou mesmo, ou pensa voltar à estrada no futuro?Gostava de voltar à estrada e nomeadamente ao Portugal dito profundo. Gostava de fazer a Madeira e os Açores, por exemplo. Vamos ver. Ideias não faltam.

Para ver o blog onde Nuno Ferreira retratou toda a viagem, clique aqui.

Para ver um video que o Discovery Channel fez sobre a viagem de Nuno Ferreira, clique aqui.  

Todas as fotografias usadas neste artigo foram cedidas por Nuno Ferreira.

RITA CORREIA

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