[Por Madalena Lobo, Psicóloga Clínica]
De facto, “os outros” não compreendem como pode uma pessoa estar deprimida, se apenas tem razões para se sentir bem; não compreendem a ansiedade e preocupação permanentes de quem sofre de Ansiedade Generalizada; não compreendem como é possível acreditar totalmente que se vai morrer, a meio de um ataque de pânico, nem porque se penaliza brutalmente a autonomia diária, evitando alguns locais habituais, por puro terror; não compreendem os rituais obsessivo-compulsivos… Não compreendem, se não tiverem passado por isso.
Sentimo-nos incompreendidos e, simultaneamente, não compreendemos os outros. O que cada um de nós sente é invisível aos olhos dos outros; o que cada um pensa é (felizmente, diria) impossível de ser lido mesmo por quem prive connosco diariamente. Por isso mesmo, quando saímos das vivências emocionais mais normalizadas – triste por uma perda, enamorado, nervoso antes de um exame, irritado no trânsito… – é muito difícil termos uma noção minimamente aproximada daquilo que é a realidade do outro.
Pense bem: consegue mesmo perceber experiências internas pelas quais nunca passou? A compulsão tirânica que faz com que alguém tenha de verificar 30 vezes seguidas se deixou a porta fechada? Uma dor crónica de costas? Uma depressão forte que o inunde de pensamentos constantes negros, irrealistas no seu pendor trágico? A aflição de se saber a passar uma ponte e imaginar que se vai sentir mal e perder o controlo? No máximo, estamos equipados para nos conectar empaticamente com os outros seres humanos e ressoar com eles nas experiências comuns que nos são mais ou menos conhecidas, latitudes que atravessámos nalgum ponto da nossa vida.
E na incompreensão residem explicações privadas para a manutenção dos problemas e todas elas acabam por transmitir uma ideia de culpa e lassidão pessoal. “Vá, acalma-te!”, significa que isso está sob o controlo voluntário de quem se encontra dominado pela ativação nervosa. “Vá, anima-te!”, significa que é suposto ligar um qualquer botão de bem-estar apenas porque se decide fazê-lo. Por isso, quem não se sente bem acaba, com uma frequência indesejável, por se recolher no secretismo e, mesmo, no ressentimento e mágoa por se saber incompreendido.
Enquanto que pouco conseguimos fazer para nos confortar quando aqueles que nos rodeiam não entendem, quando é a nós que toca a necessidade de entendermos o outro, podemos todos tentar espreitadelas empáticas para dentro da pele de quem passa por situações que não nos são familiares e assim contribuir, em muito, pelo seu bem-estar. Deixo-lhe alguns pontos cardinais orientadores:
- Esqueça todos os pressupostos e preconceitos e seja um curioso compassivo. Pergunte e pergunte, porque perguntar não ofende! Esforce-se por obter uma imagem que lhe faça sentido do como, quanto, quando e onde.
- Ao escutar, deixe que o seu cérebro percorra as suas próprias experiências pessoais, tentando encontrar pontos de semelhança. Afinal, qualquer vivência situa-se numa linha de continuidade comum – por exemplo, até num caso extremo de uma alucinação é possível encontrarmos semelhança com todas aquelas vezes em que achámos que ouvimos um som que, de facto, não existiu ou nos pareceu ver algo que não estava lá.
- Reformule e devolva. Ao escutar, vá tentando colocar nas suas próprias palavras, usando as suas analogias e os seus exemplos num esforço de validação com o outro, a propósito daquilo que está a conseguir entender.
- Refreie o impulso humano de dar conselhos; os conselhos são bons, naturalmente, mas implicam que quem os dá saiba mais do que quem recebe… As boas-intenções nem sempre são úteis…
- Permita-se sentir e demonstrar o afecto que o liga ao seu interlocutor. A afectividade é a ponte que nos permite ultrapassar diferenças com os outros. Quando tudo falha, um sorriso, uma mão no ombro ou um abraço estão lá para dizer “Mesmo que eu não perceba, estou contigo”.
O isolamento a que a nossa pele nos parece destinar, separando-nos dos outros, pode ser superado com o reconhecimento de que a compreensão exige algum trabalho aventureiro de descoberta. Haja vontade!
“Se não sais de ti, não chegas a saber quem és” (também Saramago).
[Madalena Lobo é Diretora Geral da Oficina de Psicologia. Para saber mais sobre este projeto visite www.oficinadepsicologia.com ou http://www.facebook.com/oficinadepsicologia]