A parte que me surpreendeu foi o facto de estar a falar com uma pessoa cuja vida foi significativamente afectada nos últimos anos, com fortes limitações à sua vida profissional e pessoal, quer do ponto de vista físico, quer emocional. Do negro moveu-se para a cor do nascer do sol, apenas pela força do que entendeu aprender e integrar sobre a sua experiência pessoal.
A vida vai-nos acontecendo, uns dias oferecendo-nos sorrisos, noutros um enrugar de testa e, por vezes, com maior frequência do que aquela que gostamos de pensar, com verdadeiros tsunamis pessoais que alteram toda a configuração da nossa estrutura básica de vida e mesmo de identidade pessoal. Quanto a estes encontros com a vida pouco ou nada podemos fazer, uma vez que raramente estão sob o nosso controlo. No entanto, a forma como lidamos com os acontecimentos e com as suas consequências inevitáveis está, em larga medida, sob a nossa responsabilidade pessoal.
É desta reacção posterior que gostaria de lhe falar hoje. Existe uma categoria de reacção que é auto-destrutiva e que ocorre muito frequentemente no imediato após um acontecimento negativo de forte impacto – sentimo-nos atraiçoados pela vida, revoltados, submersos em tristeza pela perda da nossa vida anterior a que, por vezes, sabemos que já não será possível voltar. Ficamos confusos, angustiados e perdidos quanto a um novo rumo, dentro dos constrangimentos que nos definem as novas rotinas.
Se tudo correr bem, se a nossa infra-estrutura pessoal for de adaptabilidade e resiliência, vamos recuperando e integrando o acontecimento traumático – doença, perda, o que for – digerindo-o de uma forma construtiva e aceitante, construindo novas pontes no nosso presente, re-encontrando-nos com um novo “eu”, que se mantém igual na sua essência, mas diferente nos seus contornos. E seguimos viagem, munidos de novas aprendizagens.
E, se tudo correr extraordinariamente bem na forma como vamos encontrando soluções internas para enquadrar a experiência traumática, emergimos da crise reforçados, com uma nova visão sobre a vida e uma forte valorização de aspectos que tomávamos por tão garantidos que nos eram invisíveis. Crescemos em visão do mundo e nós próprios, vemos o que dantes nunca tínhamos visto, ganhamos clareza, tolerância, profundidade e periferia no olhar que lançamos ao passado, presente e futuro.
E isso é fantástico e raramente possível no enquadramento duma vida em que nada de extraordinário se passe – positivo ou negativo. São aspectos das crises pessoais que redundam em ganho de vida, apesar da dor inerente ao trauma e crise, e apesar de, evidentemente, nenhum ser humano saudável pensar sequer em escolher passar por um evento traumático apenas para ter acesso a um patamar de funcionamento em que o seu mundo pessoal possa vir a ganhar em qualidade.
A maioria de nós, felizmente, nunca passou por um acontecimento que nos revolucione a vida de uma forma traumática, mas podemos chegar a um patamar de desenvolvimento pessoal semelhante ao descrito, treinando diariamente a abordagem que fazemos à vida do dia-a-dia.
Como? Substituindo diariamente a certeza do negro pela confiança em nós e na nossa capacidade para fazer face ao futuro, rodeando-nos de pessoas e atividades que nos transmitam serenidade e bem-estar, focando a atenção no que nos rodeia e possa servir-nos de conforto, agrado ou alegria, procurando dentro de nós a gratidão pelo que temos e somos, encontrando em cada respiração a compaixão e tolerância, avançando para encontrar o que nos está disponível a cada momento, sem nos determos bloqueados nas portas que fecharam… Há muito que podemos fazer diariamente para modificar o nosso olhar sobre o mundo – e mudando o olhar, muda-se o mundo.
Por isso, pergunto-lhe: como decide que vai ser o seu acordar amanhã?
[Madalena Lobo é Diretora Geral da Oficina de Psicologia. Para saber mais sobre este projeto visite www.oficinadepsicologia.com ou http://www.facebook.com/oficinadepsicologia]