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O setor agroalimentar nacional no rumo da inovação

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Avaliando a realidade nacional, Luca Storari constata que Portugal é um país de grande cultura e tradição e “a chave para inovar é olhar para a frente, mantendo o foco constante na tradição, tentando trazê-la para um novo nível, tornando os produtos compreensíveis e mais alinhados com o mercado global atual”.

As docentes do IPL defendem que a inovação neste setor deve acompanhar uma tendência já seguida e generalizada noutros países – “a promoção de produtos “clean labels”, através da incorporação de ingredientes naturais” que são, muitas vezes, subaproveitados pela indústria.

Amândio Santos tem a mesma opinião que Luca Storari, sublinhando que “a chave de ouro passa por juntar à tradição a inspiração e a ousadia para inovar tendo por base a cooperação entre os vários atores do setor agroalimentar”, sejam eles académicos, empresas e outras entidades de interface. O responsável garante que esta cooperação tem-se intensificado, “alicerçando a inovação no conhecimento e potenciando retorno na chegada aos mercados externos ao nível da aceitação do consumidor”.

Relativamente às grandes tendências alimentares que os portugueses têm vindo a adotar, “saudável” é a palavra comum em todos os discursos.

Luca Storari destaca a mudança em termos de responsabilização no que à saúde do nosso planeta diz respeito e que tem aumentado a “autoconsciência em relação a novos tópicos, como comércio justo, reciclagem, comportamento ético em relação aos animais, combinado com uma nutrição moderna e saudável”. O observatório Innova Market Insights, situado nos Países Baixos, tem assistido a um padrão semelhante em Portugal nos últimos cinco anos (2012-2016). Salienta ainda que a introdução de produtos “já preparados”, “prontos a comer”, que economizam tempo tem sido mais ativa no mercado português, o que reflete o facto de a nossa sociedade estar em mudança, com menos tempo para gastar na confeção de refeições.

Patrícia Borges e Susana Mendes admitem que o “consumidor atual está ávido de inovação e procura realizar uma alimentação mais saudável”, contudo valorizam a crescente procura por “produtos endógenos ou por alimentos que os integrem nas suas receitas”. O consumidor quer “saber o que come”, pelo que a produção e o consumo eco sustentável devem ser valorizados e potenciados.

O presidente do Conselho de Administração da PortugalFoods frisa a procura nacional por itens convenientes e com benefícios para a saúde, mas revela que também começamos a valorizar mais as “as questões de sustentabilidade, o bem-estar animal e ambiental, motivo pelo qual vemos em determinados segmentos um aumento da procura de produtos biológicos e/ou locais”. A par com as perspetivas de Luca Storari, concorda que o fenómeno do artesanal/craft e de produtos de origem vegetal têm ganho destaque nas refeições e snacks consumidos em Portugal.

Fazendo previsões para 2018, Luca Storari pressupõe que, “definitivamente precisamos manter os olhos em tudo o que diz respeito à redução do açúcar, bem como à redução da ingestão de carne, o que criará muitas oportunidades e espaços em branco para empresas com ideias inovadoras”.

E ideias inovadoras não faltam a Patrícia Borges e Susana Mendes. Na tentativa de mitigar algumas lacunas existentes na nossa dieta alimentar, as investigadoras têm desenvolvido vários projetos com algas marinhas e insetos.  “No caso das algas marinhas, por exemplo, estas podem ser uma boa fonte de iodo, o qual se encontra em défice na nossa alimentação. Por outro lado, o recurso às algas marinhas permite a criação de novos produtos alimentares sem a adição de sal. Desta forma é possível contribuir para a promoção de uma vida saudável, e dirigida a uma população onde os níveis de doenças cardiovasculares são elevados, como o caso da população portuguesa”, indica Susana Mendes que criou o Pão D’Algas.

Se a previsão da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) se confirmar, em 2050 o mundo terá nove mil milhões de habitantes, de tal modo as necessidades de produção de alimentos terão que duplicar e, devido às alterações climáticas; escassez de água; sobre pesca e diminuição da área dedicada à agricultura, isso poderá não ser possível. Assim, para Patrícia Borges, “é urgente reavaliar os métodos de produção e hábitos alimentares. Os insetos são alimentos muito nutritivos (com elevado nível de proteínas, vitaminas, minerais e gorduras insaturadas) ”. “As quatro espécies que temos vindo a utilizar são os gafanhotos, os grilos, os tenebrios e as Zophobas. Destas espécies, os gafanhotos são a espécie com maior valor proteico, de acordo com os testes realizados na ESTM, com valores na ordem dos 71,5% de proteína (por 100g de produto desidratado).

As docentes do IPL verificam que “os portugueses seguem uma alimentação muito tradicional, onde a inclusão de novos ingredientes é, por vezes, demorada”. Contudo, creem que “a promoção nas camadas mais jovens, através de produtos apelativos e onde a associação destes novos ingredientes aos produtos tradicionais seja desenvolvida, irá trazer benefícios a curto/médio prazo”. A inclusão destes alimentos em cantinas escolares poderá contrariar alguns tabus, se bem que, outro dos grandes entraves é o facto de estes produtos terem um preço elevado. Em específico, o consumo de insetos não é “nada bem visto pelos ocidentais, sobretudo porque: é a alimentação de alguns países subdesenvolvidos; associa-se a um comportamento primitivo; estão caracterizados como fontes de transmissão de bactérias e doenças; associados à devastação de campos agrícolas bem como a rituais de bruxaria”. Patrícia Borges sugere a criação de “legislação que reconheça que estes seres vivos podem ser considerados “alimento para humanos” e depois disso, basta alguns chefs corajosos para que daqui a uns anos já se considere um alimento comum”.

Passando para a escala empresarial, Luca Storari reconhece que, à semelhança de outros países com que costuma trabalhar (países mediterrânicos), “Portugal é bastante relutante em inovar e mudar. Isso não significa que seja mau, mas, como mencionado anteriormente, a tradição e a cultura precisam ser combinadas de forma inteligente com a inovação. A longo prazo, e se feito com a preparação adequada, esta é uma escolha vencedora com certeza. Devemos poder ver mais e mais inovações em Portugal num futuro próximo”. O responsável acrescenta ainda que, externamente, as empresas nacionais são igualmente vistas como “tradicionais”, o que deve ser alterado mediante uma comunicação forte e conhecimento profundo daquilo que está a ser desenvolvido nos mercados para o sucesso nacional.

Sobre esta situação, Amândio Santos expõe que a PortugalFoods tem tido um papel preponderante na promoção dos produtos agroalimentares das empresas nacionais, sobretudo através de duas estratégias-chave. O “Projeto Conjunto de Internacionalização, que dinamiza o setor, organizando feiras internacionais, missões empresariais, visitas de compradores internacionais a Portugal, ações promocionais em diferentes mercados ou promoções de produtos portugueses em cadeias de retalho internacionais. Por outro lado, temos igualmente um projeto ao qual chamamos PortugalFoods HUB (High Unique Brands) que promove internacionalmente categorias de produto (HUB Fish & Seafood, HUB Cheese, HUB Meat & Delicatessen, HUB Sweets, Biscuits & Snacks, HUB Ready Meals, HUB Grocery e HUB Beverages), ou uma resposta a necessidades específicas de determinados mercados como certificações religiosas (Halal e Kosher), Private Label e Food Service”. Dentro deste projeto, o responsável aponta também o “HUB TECH, assente no princípio da internacionalização e transferência do conhecimento, que promove igualmente as valências de I&D e casos de sucesso de novos produtos alimentares que resultam da cooperação entre o tecido académico e empresarial”.

Patrícia Borges admite que “nos últimos anos a aproximação das empresas à comunidade científica” tem sido notória e “tal facto tem-se refletido numa grande mais-valia para ambas as entidades – as empresas evoluem mediante a introdução de produtos e tecnologias inovadoras, e as entidades de I&D conseguem alcançar comunicar ciência de uma forma mais eficaz, obtendo uma visibilidade que de outra forma seria muito mais morosa. Por outro lado, esta associação permite lançar novos desafios a ambas as entidades (empresarial e de I&D). No entanto, embora existam financiamentos para projetos de investigação, ainda que insuficientes, os mesmos são muito burocráticos, sendo um “obstáculo que por vezes é difícil contornar”.

Apesar já ter comercializado as suas almôndegas de cavala, Patrícia Borges reconhece ser difícil introduzir novos produtos nas grandes superfícies comerciais, porque a maioria dos novos produtos são retirados no espaço de um ano. “Por mais que se fale de inovação, os portuguese continuam muito agarrados ao tradicional. Um produto inovador assim que é colocado no mercado pode ser experimentado por muitos, mas depois tem que ter preço, qualidade, e facilidade de ser confecionado para não ser retirado do mercado”.

A dupla de investigadoras do IPL gostaria em breve de estudar o uso de microalgas na alimentação humana, visto ser um superalimento com potencialidades nutricionais já comprovadas, bem como a transformação de bivalves noutros produtos, como farinha de bivalves, rica em proteínas.

Antecipando, ou não, as novidades que dentro de anos poderão estar nas prateleiras dos supermercados nacionais e de todo o mundo, Amândio Santos assinala que os “os players internacionais têm vindo a reconhecer cada vez mais o potencial que o setor agroalimentar nacional tem para oferecer. Em Portugal, aliamos a tradição da paixão do “saber fazer” e os sabores genuínos à alta qualidade, segurança alimentar, inovação e diferenciação, o que torna o nosso país um fornecedor agroalimentar de excelência”.

Luca Storari 

Luca Storari, Account Manager dos mercados do Sul da Europa (Espanha, Portugal e Itália) para a Innova Market Insights, consultora especializada que atua no setor de alimentos e bebidas desde 1994. A partir do banco de dados Innova, Luca Storari orienta os profissionais do setor para tomarem as melhores decisões, de acordo com as suas necessidades e objetivos.

Inovar é…

Um processo que requer tempo, energia e, acima de tudo, requer riscos. É a capacidade de mudar e de se adaptar. Isso exige um bom conhecimento, misturado com a capacidade de traduzir esse conhecimento em algo útil para o nosso caso muito específico.

Patrícia Borges e Susana Mendes

Patrícia Borges é docente na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar (ESTM – Peniche), do Instituto Politécnico de Leiria (IPL) e investigadora na área alimentação e inovação. Coordena os projetos “Edible Insects” (Insetos Comestíveis) e “Produtos com pescado em atmosfera modificada”. Susana Mendes também leciona na ESTM, sendo membro efetivo do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, do IPL. Coordenou o projeto “Pão Mar” e “Pão D’Algas”.

Inovar é…

O caminho que as organizações necessitam de encontrar para responder às novas necessidades e estilos de vida dos seus consumidores.

 

Amândio Santos

Desde 2012 que preside o Conselho de Administração da PortugalFoods – associação que, ao agregar empresas e entidades do sistema científico e tecnológico nacional ligadas ao setor agroalimentar português, tem como missão a produção e partilha de conhecimento como suporte à inovação e à competitividade.

A associação é reconhecida pela fileira e pelo Ministério da Economia e Ministério da Agricultura e Pescas como o principal interlocutor e dinamizador do setor agroalimentar nacional.

Inovar é…

Atuar, gerir, criar, adaptar, (re)pensar para responder às necessidades reais do contexto de forma diferenciadora, tendo em vista a criação de valor acrescentado e a competitividade no mercado global!

// www.innovadatabase.com

// www.ipleiria.pt

// www.portugalfoods.org

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