Sociedade

O mundo da Felicidade Interna Bruta

A riqueza de um país contribui mas não garante a felicidade dos cidadãos. O PIB concentra-se em dados estritamente económicos, ignorando valores como a vida comunitária, as condições laborais, o lazer. De que maneira se poderá, então, avaliar com rig
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A riqueza de um país contribui mas não garante a felicidade dos cidadãos. O PIB concentra-se em dados estritamente económicos, ignorando valores como a vida comunitária, as condições laborais, o lazer. De que maneira se poderá, então, avaliar com rigor o bem-estar de um povo? O conceito de Felicidade Interna Bruta (FIB) tem sido apontado como uma das soluções.

por Patrícia Maia

Romina Boarini, economista da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) não hesita em afirmar que o PIB ignora situações cruciais para o desenvolvimento das sociedades, indicando valores de progresso deturpados, até porque não reflecte uma distribuição real da riqueza, quando o seu valor total é distribuído per capita [por cidadão].

Boarini salienta, por exemplo, que o PIB aumenta quando uma epidemia semelhante à gripe A leva as pessoas a comprar mais medicamentos, quando se derrubam importantes áreas florestais para vender madeira, quando as empresas contratam trabalhadores em condições precárias, quando se privilegia o consumo excessivo em detrimento do lazer e da vida comunitária.

Feitas as contas, será o PIB capaz de avaliar o progresso e o bem-estar de um povo? Os economistas, psicólogos, sociólogos e políticos que participaram na 5ª Conferência Internacional sobre a Felicidade Interna Bruta, realizada em Novembro de 2009 no Brasil, são unânimes: o Produto Intento Bruto é uma ferramenta demasiado insensível e imperfeita para medir o sucesso das sociedades.

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Butão, um pequeno reino à procura da felicidade

Foi há mais de 30 anos, em 1972, que o Butão, um pequeno reino nos Himalaias, começou a introduzir um método diferente de avaliar a qualidade de vida dos seus cidadãos: a Felicidade Interna Bruta (FIB). Este conceito parte do princípio que o bem-estar das pessoas é mais importante do que o PIB per capita [ver vídeo, em inglês].

Entretanto, os dirigentes do Centro de Estudos do Butão definiram nove indicadores para medir felicidade nacional: bem-estar psicológico, equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, vitalidade comunitária, educação, preservação cultural, protecção ambiental, boa gestão governamental e segurança financeira.

E aparentemente, aliar o FIB ao PIB tem dado bons resultados. O Butão foi classificado, em 2006, como o país mais feliz da Ásia e o oitavo mais feliz do mundo, num estudo realizado pela University of Leicester. No entanto, a economia butanesa, maioritariamente rural, continua a ser uma das menos desenvolvidas do mundo.

[vídeo do New York Times]

Solidariedade, relação trabalho-vida, benefícios fiscais

Estudos recentes que mediram a felicidade dos países, sustentam a teoria de que um PIB elevado ajuda mas não garante o bem-estar dos cidadãos. José Pais Ribeiro, Professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, que estuda o “fenómeno” da felicidade desde os anos 90, confirma dando o exemplo de povos como os das Caraíbas, “que são mais pobres do que nós (portugueses)” mas que “têm valores de felicidade superiores”.

Um estudo realizado em 2009 pela OCDE e que abrangeu 140 países, revela que o país com o PIB per capita mais elevado do mundo, a Noruega, ficou apenas no 9º lugar da lista. Já a Nova Zelândia, com um PIB per capita três vezes inferior ao da Noruega ficou em oitavo.

O mesmo estudo indica que os povos mais felizes são os da Europa do norte: a Dinamarca, a Finlândia, a Holanda e a Suécia. Países que além de uma economia sólida, possuem um grande sentido de solidariedade social, valorizam o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e oferecem altos benefícios aos seus contribuintes.

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O (des)contentamento do povo português

Diversos estudos realizados nos últimos anos – por exemplo pela Universidade de Cambridge (Reino Unido), pelo Eurofound e pela Universidade Erasmus (Holanda) – colocam Portugal no fim da lista da felicidade dentro do espaço europeu. A [falta] de confiança nas instituições e a percepção de qualidade dos serviços públicos são alguns dos factores que mais pesam na infelicidade dos portugueses, assim como as habilitações literárias e as relação laborais.

Em declarações ao Boas Notícias, Rita Campos e Cunha, professora da Faculdade de Economia da Universidade de Lisboa e co-autora de diversos estudos sobre organizações positivas, admite que em Portugal “não há muito tempo para cultivar uma vida familiar e afectiva digna desse nome”. A economista ilustra os motivos que podem conduzir a estes resultados.

“Pensemos na vida de um jovem casal com um rendimento médio. Provavelmente vive na periferia de uma grande cidade, passa mais do que uma hora nos transportes públicos para chegar ao trabalho, tendo que deixar um ou dois filhos nas escolas, sai tarde [do trabalho] e regressa a casa, após mais um longo período em horas de ponta, com todo o trabalho doméstico à espera para ser feito”, exemplifica.

Mundo ocidental de olhos postos no FIB

Será que a aplicação do FIB traria benefícios a países como Portugal e Itália, que surgem recorrentemente no fim dos estudos sobre a felicidade? Talvez, mas seria uma tarefa difícil. “Não acredito que seja possível implementar o FIB nos países ocidentais. Acharíamos sempre que era uma armadilha do poder para ficar com o nosso dinheiro. No entanto, a formalização do FIB e a sua discussão […] pode chamar a nossa atenção para aspectos que são importantes e que tendemos a negligenciar”, defende Pais do Amaral.

No entanto, a moda está a pegar. Aalguns países ocidentais começam a considerar a hipótese de adoptar este método. Em 2008, o presidente francês Nicholas Sarkozy anunciou que o governo francês iria começar a medir o bem-estar dos cidadãos. Para isso constituiu uma Comissão de Medição da Performance Económica e do Progresso Social, liderada pelo economista e prémio Nobel, Joseph Stiglitz.

Também o Canadá desenvolveu, recentemente, um índex de bem-estar para medir a vitalidade da sua comunidade. E o Reino Unido emitiu um conjunto de indicadores  de desenvolvimento sustentável num primeira tentativa de criar um índex sistemático da qualidade de vida do país. A própria OCDE tem realizado estudos para avaliar o bem-estar dos países a nível mundial.

O PIB continua a ser o principal indicador das competências e da credibilidade das nações, o único admitido pelo Banco Mundial e outras instituições financeiras e políticas. E os líderes mundiais correspondem orientando as políticas nacionais para esses objectivos. Talvez no futuro o próprio Banco Mundial venha a incluir o FIB nos seus indicadores. E aí, pode ser que os dirigentes das nações sigam um novo rumo, com os olhos postos no bem estar dos seus povos.

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