O teu novo EP, “A day in the day of the days”, foi lançado este mês. Que dias são estes que se ouvem nesse registo?
É suposto ser um dia no dia dos dias. A minha ideia para o EP era criar a banda sonora de um dia. Não um dia específico, em que aconteça alguma coisa específica, mas um dia normal das nossas vidas – é, no fundo, tentar descrever um dia normal no dia das pessoas; ou da minha vida, pelo menos.
O que te inspirou para criares esse conceito?
Depois do meu longa-duração, queria fazer um EP para fazer a passagem entre esse disco e o que poderá vir a ser o próximo. Na altura, surgiu a convite por parte do Henrique Amaro, da Antena3, para gravar um EP para a Optimus Discos. Esta ideia de fazer músicas por horas era uma ideia que eu também já tinha há algum tempo; mas foi também uma consequência: já tinhas duas músicas escritas que faziam sentido para algumas dessas horas e o resto foi contruído à volta disso. Nas coisas que faço, nunca traço um plano. As coisas acabam por ir acontecendo e este EP acabou por ser um bocadinho isso.
Tudo começou com a netlabel Merzbau, em 2005. Que influência tem a neutáudio na divulgação da música, particularmente naquela que é feita em Portugal?
Acho que se tentarmos fugir à ideia que se não vendermos discos, não ganhamos esse dinheiro da venda dos discos, [é possível compreender que] o facto de a música poder estar livremente na Internet é uma das vantagens que esse meio tem para os músicos, quer em Portugal, quer noutro sítio qualquer. Eu acho que, pelo menos, todo o tipo de promoção que tenho tido como meio de chegar às pessoas, se não fosse a Internet, estaria reduzido – nem a metade, mas a muito menos, porque hoje em dia é a busca contínua por novas descobertas na Internet que permitiu que muitas pessoas descobrissem as coisas que eu faço. Foi quando comecei em 2005, com a Merzbau, que compreendi melhor esse conceito, ao conhecer o Tiago [fundador da netlabel Merzbau]. Eu estava no início, não percebia ainda todo o conceito da gravação e venda de discos e achei que faria sentido, nem que fosse para uma ou duas pessoas, disponibilizar as músicas na Internet, gratuitamente. Com o passar dos tempos, apercebo-me cada vez mais que esta é uma das grandes ferramentas de qualquer pessoa (em Portugal ou não) envolvida no mundo da música.
Desde aí até já fizeste a primeira parte de concertos dos Camera Obscura e de Bill Callahan, entre outros. Como surgiu essa oportunidade?
Quanto aos Camera Obscura e ao Bill Callahan, a oportunidade surgiu com a realização do Festival Para Gente Sentada em Santa Maria da Feira. Eu nunca tive nenhum plano de promoção traçado desde o início, as coisas foram sempre acontecendo: a pessoa que fazia parte da organização desse festival também estava envolvido na organização do Serralves em Festa, para o qual concorri, há dois anos, com a ideia de fazer um concerto com projeções de vídeo e o projeto acabou por ser aceite. Os concertos correram muito bem, acabei por conhecer as pessoas envolvidas nesse evento e, um ano mais tarde, surgiu então o convite para ir a Santa Maria da Feira. Todas as coisas que tenho feito têm acontecido assim, naturalmente. Talvez na música – e principalmente em Portugal – é assim que as coisas funcionam.
Já atuaste em salas de espetáculos como a Casa da Música e o Musicbox, relativamente recentes em Portugal. Achas que o nosso país possui boas infraestruturas nessa área?
Acho que o principal problema em Portugal – enfim, não será um problema, mas antes uma questão cultural – é o facto de as pessoas não estarem muito habituadas a verem concertos regularmente. E isso percebe-se lá fora. Quando toquei no Reino Unido e na Alemanha, a organização agendou-me 14 concertos para 14 dias consecutivos. Intrigou-me como conseguiria apelar a alguém a uma segunda, terça ou quarta-feira, porque em Portugal isso não é muito comum. Não faltam infraestruturas, falta essa cultura em que faz sentido sair de casa a uma segunda-feira e ir ver um concerto. Portanto, acho que temos muitos espaços; não temos é pessoas que os encham durante todo o tempo.
Ou seja, não se trata de falta de meios, mas sim da pouca mobilização do próprio público…
Eu não acho que os portugueses sejam mais ou menos interessados por espetáculos que os estrangeiros. Acho que é uma coisa de origem cultural; se calhar, como somos um país com muito sol e calor, na altura do verão, por exemplo, já nada interessa a não ser ir para a praia, por exemplo. Lá fora, em países que cultivam muito menos esse tipo de distração, as pessoas, ao longo dos tempos, foram-se ocupando com outro tipo de atividades. E aí a música e as artes em geral acabaram por ocupar esse protagonismo no tempo livre dessas pessoas.
É comum apontarem influências de artistas como os Radiohead nas tuas músicas. Que outras influências reconheces nos teus trabalhos?
É sempre muito complicado para quem cria alguma coisa – embora eu, pelo menos, não tente copiar ninguém – dizer: “acho que isto é parecido com isto ou aquilo”. Eu, com 28 anos, já ouvi muitas bandas, algumas muito em particular, e as harmonias e os projetos que foram criarando provavelmente influenciaram as minhas músicas. Os Radiohead, como foram uma das bandas que eu sempre ouvi, quase desde que apareceram, serão uma dessas grandes influências. Os Sigur Rós também são uma banda que ouvi durante muito tempo e outras bandas e artistas oriundos da Islândia, como a Bjork. Os ambientes de música que crio podem refletir isso, mas não é obrigatoriamente um exercício de cópia. São apenas as coisas que eu acho que ficam bem. As minhas influências também incluem os Pearl Jam. O Eddie Vedder [vocalista] é capaz de ser uma das grandes razões para eu gostar de música, pela maneira como ele tocava, especialmente nos concertos, onde é possível sentimos tudo o que ele sente, como ele o sente.
Achas que a música portuguesa está sempre sujeita a comparações com o que se faz lá fora?
As comparações têm o seu lado negativo, mas também podem trazer vantagens: se me fizerem uma crítica num jornal e em letras grandes se puder ler “Noiserv são os Radiohead em Portugal” eu acho que as pessoas vão ficar mais interessadas. Na crítica, a comparação é uma coisa quase natural. Como a música em Portugal está agora a viver um boom, faz sentido que o que aparece seja comparado àquilo que existe já há mais tempo. É uma consequência do interesse das pessoas e em mostrar às restantes aquilo que está a ser feito no momento.
Referiste as projeções vídeo como parte dos teus concertos. Como é que isso funciona?
Trata-se de projeções com animação em tempo real. A minha prima acompanha-me no palco, ao computador, a desenhar em tempo real e os resultados vêem-se nas telas que normalmente estão atrás de mim.
Tens sempre cuidado com a identidade visual dos teus trabalhos. Para ti, o que nasce primeiro: o som ou a visão?
É a música, sempre. Até porque não consigo definir tudo num papel muito linearmente. Com as letras, acontece o mesmo: o que aparece primeiro é sempre o som e é através do som que me inspiro para tudo o resto.
[Depois de ter atuado no ciclo de concertos da livraria Trama no Teatro A Barraca (saiba mais aqui), noiserv vai estar presente no último dia do festival Optimus Alive!10, tendo concerto agendado para as 18h30 no palco Optimus Clubbing]
Débora Cambé