Um sonho que, desde 1982, ano de fundação da Mendes Gonçalves, dita o seu sucesso. E uma instabilidade que persiste desde a génese da empresa e que assenta no desafio constante que a inovação impõe a um operador de commodities.
Para Carlos Gonçalves, o êxito da Mendes Gonçalves é seguramente “improvável” por ter nascido como empresa familiar que começou logo a inovar com o fabrico de vinagre de figo, produto abundante na região da Golegã, onde estão inseridos.
Na altura, concorriam com os tradicionais vinagres de vinho existentes no mercado, e evoluíram para novos produtos como vinagres de cidra ou de arroz. Contudo, constatam que a possibilidade de inovação e crescimento apenas com um tipo de produto – vinagre – era insuficiente para a dimensão do sonho e, em 2000, entram no mercado dos molhos. Começaram por produzir maionese e ketchup e em 2013, após comprarem a insígnia Paladin ao grupo Savora, apresentam a marca para o mass market com uma estratégia de marketing e comunicação irreverente e diferenciadora.
Neste momento, os “Temperos de Portugal” estão já presentes em cerca de 30 países, sobretudo em mercados emergentes com novas classes de consumidores dispostos a experimentar os produtos Paladin, como Norte de África e Médio Oriente.
Com um volume de faturação de 28 milhões de euros, a internacionalização da marca representa entre 25 a 30% desse total. Sem poder revelar os segredos das receitas dos molhos Paladin, o CEO adianta porém o segredo por detrás da internacionalização e crescimento da empresa que, nos últimos cinco anos, tem sido sempre na ordem dos dois dígitos, “e dois dígitos, muitas vezes, mais do que 20%”. Assim, o processo de internacionalização não passa pela exportação. Carlos Gonçalves garante que “não vendemos contentores, nem mercadoria, nós internacionalizamos a Paladin, sempre. Para qualquer mercado, podendo haver alguma exceção nalgum mercado que não seja target. Sempre que temos algum cliente ou distribuidor interessado em comprar os nossos produtos, vamos ao mercado, analisamos o mercado em conjunto, analisamos se esse distribuidor tem capacidade para aquilo que queremos. Como é que ele olha para a marca, para o futuro e para todos os passos que temos que dar. Estudamos o mercado, os concorrentes e o tipo de produtos existentes e as possibilidades que a nossa gama terá, se é preciso criar novos produtos. Trazemos os distribuidores à fábrica, à nossa casa. Queremos que nos conheçam muito bem. E se tudo isso fizer match passamos a ter um distribuidor”. Sem nunca terem pressa, é com base neste procedimento, que demora aproximadamente um ano (ou mais), que a Mendes & Gonçalves internacionaliza a Paladin. “Não vendemos tudo aquilo que temos, vendemos produtos que fazem sentido. São diferentes de mercado para mercado. Normalmente, começamos por vender uma gama não muito alargada – entre dez a 15, às vezes 20 produtos. E com a estratégia da marca Paladin ser uma marca relevante em todos os mercados onde entramos”, acrescentou.
Pela relevância que já detinha em Angola, onde estava presente há quase 30 anos, a Paladin decidiu investir neste país que acolheu, em Luanda, a primeira fábrica da marca fora de Portugal. Apesar de estar a operar há já um ano, foi inaugurada em maio e os cerca de vinte trabalhadores desta nova unidade fabril “nunca faltaram e às vezes têm maior produtividade que em Portugal”, afirmou Carlos Gonçalves.
Dentro da política de internacionalização, nunca entram num país na sua globalidade. Podem, por vezes, só lançar a marca na capital, avançando depois com o alargamento da distribuição e da gama de produtos.
Apesar de terem registado uma quebra de vendas em alguns países produtores de petróleo, que estão em crise, como a Argélia, viram compensações noutros mercados: Marrocos e Alemanha. Neste último as vendas triplicaram em apenas seis meses. Progredindo de forma paulatina, neste ano esperam crescer entre 5 a 10%, comprovando o historial de “três, quatro, cinco anos a crescer muito e um ano de estabilidade”.
Sendo que uma grande fatia da faturação advém de novos produtos lançados, a Paladin tem uma equipa de I&D, com cerca de dez pessoas, que todos os dias testa sabores diferentes para novos molhos. Visitámos o espaço onde, anualmente, são desenvolvidas cerca de 300 novas fórmulas e receitas que advém de ideias internas ou correspondem a parcerias ou a pedidos especiais de terceiros. Carlos Gonçalves admite: “muitas vezes temos dificuldade de acompanhar a nossa própria equipa”, já que tentam estar sempre a inovar e um passo à frente. Para tal, investem em formação e conhecimento das tecnologias mais avançadas e pretendem fomentar estágios de verão com universidades portuguesas e europeias.
Como uma das únicas três empresas agroalimentares portuguesas certificadas em inovação, a Paladin, além da Frulact e Imperial, teve bons resultados de I&D em 2015. Do total de 203 projetos desenvolvidos, 55 foram aprovados e 102 transitaram, isto é, foram readaptados ou inseridos no mercado. Apenas 46 foram anulados. Neste ano, surgiram assim 60 novos produtos, dos quais 55 molhos e cinco vinagres.
Para além de rigorosos testes e controlos microbiológicos, a aprovação de novos produtos também passa pelo laboratório de análise sensorial. Aqui, um grupo de pessoas, treinado para representar o mercado, prova os molhos criados no departamento de I&D de acordo com critérios definidos pela marca.
Depois de aprovadas, as fórmulas passam a integrar o portefólio de produtos da Mendes Gonçalves, iniciando-se o seu processo de produção.
Na sala de pesagem, cada palete inclui os ingredientes definidos em cada uma das receitas (sempre secretas). Passa-se à sala de produção, com capacidade para produzir 12 toneladas de molhos por hora. Daqui seguimos para a sala de embalamento. Dois armazéns guardam cerca de dois mil rótulos, uma vez que todas as etiquetas são traduzidas para a língua mais usada no mercado a que se destinam os produtos. Chegando à zona de saída de mercadoria, esta é direcionada para o armazém, sendo, posteriormente, acondicionada no novo centro de logística do grupo. Localizado a apenas 500 metros da atual unidade industrial, representou um investimento de dois milhões de euros, e tornou-se essencial para poderem responder às crescentes solicitações do estrangeiro.
De acordo com o CEO da empresa, “na fábrica produzimos 1400 referências diferentes, na marca Paladin temos mais de 200, sendo que 54 são a gama base para Portugal, mas depois com todos aqueles que fazemos para outros países com embalamento e etiquetas diferentes, são mais de 200”.
Quando confrontado com a pergunta: de onde vem a matéria-prima para fabricar a multiplicidade de produtos que têm, o responsável assegura 80% é nacional. Contudo, reconhece algumas dificuldades em encontrar as restantes matérias-primas a preços competitivos, em particular pelo facto de Portugal estar na “ponta da Europa”. E acrescenta que os “governantes por vezes atrapalham”, seja pelo aumento dos combustíveis, seja pelo custo elevado da energia, fatores que encarecem os custos de produção de commodities. Durante a visita, descobrimos ainda o segredo por detrás do produto mais abrangente da Paladin – os seus vinagres de topo estagiam em pipas de carvalho durante seis meses. E cada uma das máquinas de engarrafamento exclusivo de vinagre tem capacidade para embalar sete a oito mil garrafas por hora. Entre as várias cubas de vinagre, há algumas reservadas a produtos Kosher e Halal. A Paladin detém certificações para produzir alimentos de acordo com as leis judaicas e muçulmanas.
Todos os processos de produção estão informatizados e são geridos a partir de um sistema de gestão desenvolvido internamente.
No final, deparámo-nos com as tradicionais “tulhas de figo” que deram origem à Mendes Gonçalves. Carlos revela que, hoje em dia, a produção de vinagre de figo “não tem grande valor comercial, mas foi como começámos” e por isso é preservada a sua fabricação, pelo que são o único comprador de figo nacional.
Após o lançamento do Vinagre de Tomate Ribatejano, a Paladin prepara-se para, em breve, colocar no mercado o Vinagre de Pera Rocha do Oeste e Vinagre de Maçã Bravo de Esmolfe. No entanto, o Ketchup à Portuguesa é o produto que tem sido mais promovido, visto que ganhou o Best New Fast Food Product and Innovation na exposição Gulfood Dubai, que decorreu nos Emirados Árabes Unidos em fevereiro deste ano. De acordo com Carlos Gonçalves, a premiação “resulta precisamente desta nossa irreverência, da nossa vontade de fazer diferente. Quem é que esperaria que uma empresa portuguesa, da Golegã, reinventasse um ketchup, que é talvez o produto mais vendido no mundo, mais básico e mais padronizado do mundo, e que, em vez de meter numa embalagem vermelha, metesse numa embalagem preta e que fosse dizer que era à portuguesa e vender no mundo inteiro e ganhar o primeiro prémio, onde estão os melhores do mundo!”.
Além da Paladin, o grupo também produz e embala múltiplas referências para outras marcas e detém ainda as insígnias Peninsular e Creative. A primeira está mais voltada para o canal horeca, enquanto a segunda inclui uma linha gourmet de vinagres de fruta, muito premiados, destinada a mercados mais evoluídos e até para chefes de cozinha.
Neste momento a Mendes Gonçalves tem 250 colaboradores, sendo o maior empregador da Golegã. Sem nunca pensar sair desta região, a empresa, que começou familiar, profissionalizou-se e nos seus cargos de direção tem entre 30 a 35 pessoas que vieram de Lisboa e optaram por morar na Golegã, constatando que aqui têm uma melhor qualidade de vida.
Assumindo que a qualidade já é um dado adquirido, o objetivo da Paladin passará por estar constantemente a inovar e a surpreender entre a diversidade de produtos que tem e que terá muito em breve. E se a Paladin são os “Temperos de Portugal”, tendo sido a primeira marca de temperos a certificar os seus produtos com o selo PORTUGAL SOU EU, Carlos acredita que Portugal, e o mundo também, sabem cada vez mais a Paladin.
Confidenciou-nos ainda que se sente inspirado pela irreverência de Elon Musk, e afirma que “se há impossível, então é para nós”. Não havendo impossíveis para a Paladin, o “sonhador” revela um último desejo: construir uma fábrica de raiz que inclua uma unidade de I&D, uma de pequena produção e outra de produção em grande escala.
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