É mãe de dois filhos, tem 39 anos e trabalha como payment controller numa agência de viagens. Cláudia Coelho preenche os dias entre a vida familiar, a profissão e a solidariedade. Trabalho não lhe falta, e energia também não.
O jeito para as artes manuais nasceu consigo, garante, e é por isso que se dedica, nos tempos livres, a ajudar na decoração de festas de aniversário para filhos de amigos e familiares. Mas também para confecionar roupas de carnaval para o filho mais novo, Sebastião, de quatro anos.
Em dezembro do ano passado, uma antiga professora lançou-lhe o desafio de trazer o projeto “The Magic Yarn” para Portugal. Sedeado no Alasca, da responsabilidade da enfermeira Holly, consiste em oferecer perucas a crianças com cancro submetidas a tratamentos de quimioterapia. Cláudia nem hesitou, porque é mãe, considera-se “uma pessoa sensível” e também porque também ela pensa: “e se me acontecer a mim?”. Entrou em contacto com a responsável do projeto original, que se mostrou muito recetiva e satisfeita pela iniciativa, e nem hesitou em avançar. “Gostaria muito que alguém fizesse o mesmo pelos meus filhos: dar-lhes sorrisos nesta fase complicada da vida”, afirma.
O que começou informalmente acabou por juntar uma rede de voluntários que contactam com Cláudia a partir da sua página de Facebook (https://www.facebook.com/handmadebymelau/). “Neste projeto, não existem donativos em dinheiro. As pessoas têm oferecido lãs e gorros, umas enviam pelo correio, para a minha casa ou para o meu trabalho e outras vêm ter comigo”, explica. Noutros casos, Cláudia aproveita a ajuda do filho mais velho, Jorge, de 20 anos, que aproveita os fins de semana para recolher algumas ofertas.
“Gostaria muito que alguém fizesse o mesmo pelos meus filhos: dar-lhes sorrisos nesta fase complicada da vida” – Cláudia Coelho
O projeto necessita regularmente da generosidade de quem quer contribuir com lãs, gorros, apliques e tudo o que a imaginação permitir. “Recebi uma encomenda de uma senhora de Beja que enviou umas flores para aplicar”, conta. Estava criada a ideia para uma peruca diferente…
Criar um mundo de fantasia
Até à data de fecho desta edição, foram entregues 20 wigs [perucas] a crianças internadas no Serviço de Pediatria do Instituto Português de Oncologia de Lisboa (IPO Lisboa). Após apresentar esta ideia, o hospital tornou-se um parceiro importante, e as entregas acontecem presencialmente. “Venho sempre de lá com o coração cheio dos sorrisos daquelas crianças, mas também com lágrimas nos olhos que contenho com muita força”, explica. Uma dualidade de emoções que ainda está a aprender a gerir.
As wigs entregues representam algumas das personagens favoritas ou que compõem o imaginário de qualquer criança, como a Bela Adormecida, a Branca de Neve, a Ariel, a Alice no País das Maravilhas, o Homem Aranha, o Batman, a Elsa, entre muitos outros. E também há espaço para encomendas especiais. Neste momento, Cláudia está a trabalhar numa Pocahontas, a pedido de uma menina internada, e que a receberá em mãos, na próxima entrega, que acontecerá que acontecerá daqui a uns dias. Não está colocada de parte a hipótese de “personalizar as wigs” no futuro. Estes meninos conseguem assim viver os seus momentos de fantasia, mesmo dentro de um hospital, e enquanto lutam pela cura da sua doença.
Cláudia conta um episódio vivido numa das entregas em que conheceu uma menina com cerca de dois anos. “Experimentou todas as wigs, só se ria ao ser fotografada, e a mãe sentiu-se grata com este gesto. Senti que poderia ser eu. Se fosse comigo, gostaria que alguém quisesse fazer o meu filho sorrir, só porque sim”, explica.
Cada cabeleira demora entre uma hora e meia a duas horas a ser fabricada. Até à data, já foram entregues 20 wigs no IPO de Lisboa.
Quanto aos cuidados a ter no fabrico destas wigs, garante que não se exige muito. Apenas que as lãs não sejam muito grossas, para não aquecerem demasiado a cabeça, devendo ter-se em atenção com os “fios de cabelo” que não devem ficar pendurados na cara para não incomodar as crianças.
Maria Miranda é educadora de infância do Serviço de Pediatria do IPO de Lisboa e tem acompanhado as entregas destas wigs, constatando, na primeira pessoa, as reações dos meninos em tratamento. “Dizem que o cabelo é a moldura do rosto. Quando se perde essa moldura e, tal como em todas as nossas perdas, há que aceitar e integrar uma nova realidade. Saber recriá-la, já que não se pode evitar, é sinónimo de inteligência e criatividade. Duas dimensões em que as nossas crianças são especialistas e que, não poucas vezes, exemplo para os adultos que com elas convivem. Poder ter uma cabeleira divertida, que, ao mesmo tempo, protege e faz sonhar com príncipes, princesas ou super heróis, vem ao encontro da fantasia, da magia e de tudo aquilo que representa o mundo infantil”, explica.
Maria Miranda conta que os profissionais do IPO de Lisboa procuram diariamente soluções “que contribuam para minimizar os efeitos negativos da situação em que se encontram. Porque as crianças continuam a sê-lo, mesmo em situações difíceis”.
A educadora confessa que o projeto é também “uma mais valia” para os profissionais que trabalham diretamente com estas crianças e que, todos os dias, procuram soluções “que contribuam para minimizar os efeitos negativos da situação em que se encontram. Porque as crianças continuam a sê-lo, mesmo em situações difíceis”. E desengane-se quem pense que são só as meninas que gostam de receber estas wigs, sobretudo “as que têm tranças ou cabelos compridos, como as princesas”, pois também os meninos “gostam dos super heróis”. Cláudia já está a trabalhar neles!
Como participar?
Cada cabeleira demora entre uma hora e meia a duas horas a ser fabricada. Cláudia confessa que a experiência lhe tem dado maior rapidez, e depois de desempenhar todos os outros papéis, de cuidar da casa e de o filho mais pequeno adormecer, dedica-se a este hobbie que arranca sorrisos a meninos com doença oncológica. E é sempre assim, todas as noites, de segunda a sexta-feira.
A ideia é alargar o projeto a outros hospitais, nomeadamente ao IPO do Porto, com quem Cláudia já está em contacto para apresentar a proposta, contando nesta cidade, com a ajuda da voluntária Maria Ferreira, que tem sido uma boa ajuda na invicta. Mas são necessárias mais mãos, daí que a responsável já tenha programado a realização de dois workshops, em Lisboa, para ensinar outras pessoas a fazer wigs. “O objetivo é não parar, e quantas mais pessoas ajudarem, tanto melhor, para alargar o âmbito do projeto.”
Nos próximos dias 24 de março e 7 de abril, na Associação dos Artesãos da Região de Lisboa, na Rua de Entrecampos [que cedeu as suas instalações gratuitamente] pode aprender a fazer wigs coloridas e a contribuir para este projeto.
Limitados a 12 participantes por data, os workshops vêm dar resposta à quantidade de pedidos que recebeu para ensinar o processo de fabrico, e têm a duração de três horas, em cada um dos dias [das 14h00 às 17h00].
Caso queira participar, ainda vai a tempo de se inscrever, de forma gratuita, através do e-mail handmadebymelau@gmail.com, bastando indicar o seu nome e a data pretendida. Ainda existem algumas vagas por preencher, mas apresse-se, para não perder a oportunidade.
São ainda aceites donativos de lãs, gorros [que compõem a base das cabeleiras] e apliques, bastando entrar em contacto com Cláudia Coelho, através da página de Facebook do projeto https://www.facebook.com/handmadebymelau/, para que lhe seja fornecida a morada para o efeito ou para combinarem a melhor logística.
“Gostava de agradecer a todas as pessoas que me têm ajudado a continuar o ‘The Magic Yarn Portugal by Hand Made By Me Lau, e em especial, à Joaquina, uma senhora que também é doente oncológica e a quem este projeto é assumido como uma boa terapia”, conclui Cláudia Coelho, garantindo que o que ganha mais com este projeto é mesmo “amor”.