Como avalia as recentes estratégias governamentais de promoção da inovação e do empreendedorismo no país?
Vemos que este governo, à semelhança do anterior, está a conduzir a sua política de desenvolvimento económico baseada em dimensões como o capital humano, a qualificação, o empreendedorismo, a inovação e a sua promoção como ferramentas de competitividade. São boas notícias porque, em muitas áreas da política pública essa continuidade não existe, mas neste caso particular parece haver um consenso nacional à volta da ideia de que a inovação e o empreendedorismo são conceitos e linhas de desenvolvimento estratégico que devem estar no topo das políticas e das prioridades do país.
Qual o papel da COTEC Portugal no âmbito do programa Indústria 4.0?
Estamos a atravessar um momento histórico. Pela primeira vez nas as redes digitais estão a atravessar fluxos de dados produzidos pelo diálogo e conversação de máquinas e sistemas autónomos que são iguais aos dados produzidos pelos humanos.
Vemos que é um grande desafio, não só para as empresas e economia portuguesas, mas a nível global porque esta convergência tecnológica está efetivamente a transformar os modelos de negócio. Empresas industriais estão a caminhar para empresas de serviços e empresas de serviços estão a produzir produtos. Isto é um processo que não é isento de riscos e onde as políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento tecnológico e à experimentação são uma variável muito importante para reduzir os riscos e encontrar soluções que possam efetivamente não colocar os investimentos das empresas numa situação difícil.
Nessa perspetiva, a COTEC foi convidada pelo Executivo para fazer parte do conselho estratégico que está a acompanhar esta iniciativa. Como voz de mais de 370 associados, a COTEC pode ser um contributo em termos daquilo que são os desafios e oportunidades nos vários setores que foram escolhidos para proceder a esta experimentação e criar esta visão de desenvolvimento de soluções tecnológicas. Pode dar uma contribuição lúcida e esclarecida sobre como as políticas europeias e a sua determinação em termos dos padrões empresariais da economia portuguesa, que sabemos serem diferentes das PME europeias.
Na tomada de posse como novo Diretor-geral da COTEC Portugal prometeu “avivar o espírito fundador e pioneiro da COTEC enquanto associação de mérito e reputação reconhecida, com capacidade de influência e networking. Uma COTEC representativa, influente e operacional”. Disse também que é “igualmente relevante aproximarmo-nos dos nossos associados, de novos associados”. O que vai mudar comparativamente ao trabalho desenvolvido pelo seu antecessor? Pode adiantar-nos novas medidas e iniciativas?
A direção e os associados sentiram que a COTEC deveria reavaliar as suas prioridades face à alteração profunda do contexto em que o negócio se desenvolve, a aceleração tecnológica e toda a reconfiguração das cadeias de valor globais – tudo isto exigia que a COTEC, nascida em 2003, e que evoluiu progressivamente no sentido de colocar a inovação no topo das prioridades das empresas e do país, e das polícias públicas, pudesse reavaliar se a sua razão de existir se mantinha válida e qual o enfoque estratégico que deveria considerar neste período.
COTEC significa cooperação tecnológica ou cooperação para o desenvolvimento tecnológico e essa expressão simboliza o espírito fundador. Cooperar para poder aprender, para poder desenvolver uma cultura de experimentação, para aprender mais rapidamente e ganhar mais vantagens competitivas que permitam afirmar os seus modelos de negócio e afirmar a sua competitividade do mercado – esse é o grande desígnio e nesse sentido o espírito e a missão da COTEC mantêm-se bem vivos.
Dentro deste chapéu há três grandes linhas de atuação e que estamos a considerar no nosso plano de atividade.
A primeira é efetivamente promover uma maior interação entre os nossos associados. Sem essa interação não é possível ganhar confiança para a cooperação e sem confiança não é possível partilhar as preocupações e a experiência individual. E sem esse processo não é possível criar agendas coletivas.
O segundo pilar é a capacidade de escutar aquilo que são as barreiras que os nossos associados e as empresas em geral, por arrasto, sentem e conseguir transformar essa escuta ativa em melhoria das políticas públicas e dos programas de incentivo à inovação. Inovação vista, não como uma moda, mas fundamentalmente como uma ferramenta para a competitividade das empresas e para a afirmação da competitividade das empresas.
Por último, procuramos trazer os ingredientes fundamentais das atividades de inovação para o espaço empresarial. O capital humano e de conhecimento reside e existe no espaço académico, é preciso fazê-lo circular para o espaço empresarial e do espaço empresarial é preciso fazer circular as necessidades e problemas com que as empresas se debatem no dia-a-dia, na sua batalha quotidiana pela afirmação e relevância no mercado, e circular também esses problemas para os investigadores na academia. Esta circulação não é isenta de obstáculos, exige que haja uma linguagem comum, que haja motivação e incentivos para esta aproximação e é exatamente nesta área que a COTEC quer enfocar a sua atividade.
Em termos práticos vamos lançar uma iniciativa a que chamamos Consórcios para a Cooperação Tecnológica.
Essa iniciativa será lançada em breve?
Está a ser pensada e os nossos associados, de forma informal, já tiveram conhecimento desta nossa intenção. Elegemos cinco áreas em que os consórcios se vão desenvolver. A primeira não podia deixar de ser a Indústria 4.0, depois do outro lado da moeda da transformação digital – a inovação e cibersegurança. Um aspeto muito importante da transformação dos modelos de negócio que tem a ver com os serviços tecnológicos: a emergência e a necessidade de criação dos digital jobs e a sua formação. O grande recurso natural de Portugal é o capital humano e precisamos também de desafiar as universidades para preparar os profissionais para as necessidades do século XXI.
A quarta área é genericamente o que chamamos de fábrica do futuro: os novos processos e materiais na produção industrial. Temos vindo a ser desafiados pelos nossos associados a fazer com que os diretores de produção interiorizem que se pode produzir de outra maneira, que há outras formas de produzir de forma mais eficiente e com outras possibilidades de produção de produtos e serviços de conteúdo tecnológico mais avançado. E finalmente uma dimensão que vai ter um peso muito importante no futuro que é a economia circular. Maior produtividade na utilização das matérias-primas no sentido de, desde o desenho do produto até ao consumo, fechar a economia, sendo mais eficiente no ponto de vista da utilização dos recursos.
Durante as visitas que fez a Silicon Valley conheceu a comunidade empreendedora da Bay Area de São Francisco. Quais os paradigmas que poderíamos adotar do ambiente vivido nessa região?
Normalmente olha-se para Silicon Valley como o expoente máximo do empreendedorismo tecnológico e para a face visível que é a orientação das universidades para o empreendedorismo, a orientação dos empreendedores, dos investidores e das grandes empresas para as grandes oportunidades.
Mas depois há uma face menos visível – a cultura nacional empreendedora. Nestas coisas o segredo não é a alma do negócio porque num hub onde as interligações entre as pessoas são tão fortes é aí que está o segredo das ideias poderem evoluir tão rapidamente, é impossível manter uma ideia muito tempo em segredo.
Nesse sentido, diria que precisamos de mais partilha, ter menos medo de errar e mais medo de não tentar. Devíamos imbuir-nos desta cultura, não apenas os empreendedores, a sociedade em geral. Talvez seja essa a grande distância de uma cultura mais aberta a fazer coisas diferentes, a experimentar, uma cultura de prototipagem rápida capaz de acolher sem nenhuma animosidade as ideias diferentes e as pessoas diferentes e que querem fazer diferente.
Se conseguirmos fazer isto, claramente vamos dar o salto qualitativo porque o resto, em termos de condições ambientais de Portugal, nós temos tudo. Aliás, há quem diga que temos mais que os grandes centros de empreendedorismo tecnológico.
Segundo o recente Estudo Global de Empreendedorismo da Amway 2015, só 16% dos inquiridos em Portugal acreditam que o nosso país é favorável ao empreendedorismo. Concorda com esta visão pessimista?
É um facto e a resposta à pergunta depende da forma como a pergunta é feita e do contexto em que é feita. Porque se o entrevistado constatar que estamos num país seguro, aberto à iniciativa individual, com uma cultura simpática e tolerante, com uma diversidade natural, com um clima ameno e estimulante, com acessos físicos e digitais facilitados a todo o mundo e com talento a brotar das nossas universidades. Vemos que estamos num sítio ideal para começar o que quer que seja. Mas se as pessoas foram estimuladas a concentrarem-se e a focarem-se no peso das obrigações legais e fiscais que uma pequena start-up que ainda não começou a caminhar. E isto aplica-se a uma start-up ou a uma mico empresas (de duas a três pessoas). Se olharmos para a burocracia inútil, para a demora das decisões judiciais e para o custo de encerrar uma empresa, independentemente se foi à falência ou se simplesmente queremos encerrar porque já não faz sentido continuarmos aquela atividade, provavelmente irá concluir que temos um longo caminho até sermos um país aberto a fazer projetos e podemos até concluir que é difícil fazer alguma coisa em Portugal.
A minha conclusão é que, se ponderarmos estas duas dimensões, começar qualquer coisa em Portugal compensa, por isso, se calhar, esse número peca por escasso.
O mesmo estudo indica que a seguir ao medo de falhar, a falta de investimento e receio de falência são os maiores obstáculos à criação de um novo negócio. Vê o mesmo refletido em Portugal?
Vemos! Vemos que os candidatos a empreendedores, mais do que terem medo de tentar, têm medo de falhar. Deveríamos tentar reverter e criar nas pessoas um foco nas possibilidades e não nos riscos. E isso ainda não acontece. Quando alguém tenta começar alguma coisa está iminentemente focado nos riscos e não nas possibilidades. E obviamente tem de haver um equilíbrio entre estes dois focos. Até porque vemos que os custos económicos e o estigma social de falhar uma iniciativa empresarial ainda são muito elevados em Portugal. Esse também é um processo de transformação em que deveríamos aproximar-nos de outras sociedades e que estas deviam servir de inspiração. Do ponto de vista social, deve ser muito censurável e menos desejável o comportamento de alguém que nunca tentou fazer nada, mais do que alguém que falhou e que aprendeu com os seus erros.
Acreditamos que uma sociedade próspera é uma mais empreendedora, mais democrática, mais empreendedora porque confere mais liberdade a todos de podermos contribuir para a sociedade da maneira como os nossos talentos se podem materializar.
Sobre o financiamento, julgo que é algo diferente porque hoje, para quem quer começar alguma coisa em Portugal, o financiamento não é um recurso escasso. Capturar investimento faz parte do jogo de ser empreendedor. Se o empreendedor não é capaz de motivar os investidores para poderem acreditar naquele projeto e com isso conceder recursos e financiamento, então o empreendedor ainda não reuniu os ingredientes suficientes para poder jogar este jogo.
Também exerce atividade como professor universitário, contactando diretamente com jovens entusiastas, motivados e com várias ideias. O que mais admira e o surpreende nos estudantes que já começam a mostrar vontade de empreender?
Há uma vontade muito grande de poder compreender o que está por detrás do segredo de empreender e de inovar.
O que é estimulante é que neste processo de podermos partilhar qual é o segredo, aprendo tanto com os meus alunos, como eles provavelmente aprendem comigo. Compreendemos que empreender é uma arte, mas também é uma disciplina e que exige um método. A ferramenta desse método é a inovação. Empreender é sempre o alinhamento das nossas circunstâncias com as oportunidades. A diferença entre as duas coisas é o risco de empreender. Um empreendedor não é um tresloucado que corre riscos, mas é alguém que percebe esta diferença entre a oportunidade e as nossas circunstâncias, identifica os riscos e consegue encontrar contramedidas para reduzir os riscos e poder chegar às oportunidades e contribuir para que alguém ou um conjunto de pessoas possa viver melhor ou possa ter um problema resolvido.
Percebendo que há uma dimensão de arte, de método e disciplina, os alunos passam a ter a ideia de que empreender é também confiar em si mesmo, nas suas capacidades para entender, compreender e ultrapassar os riscos.
Como diria a personagem da Guerra das Estrelas, Han Solo, “Never tell me the odds”. Ele consegue perceber os riscos e também acredita nas suas capacidades.
Inovar é…
Ligar os pontos.
Virtudes de um empreendedor
Resiliência à descrença, autoconfiança e uma crença lúcida que deriva de um processo de autoconhecimento e muita paciência.
Lema de vida
Parafraseando Louis Pasteur, “a sorte só favorece verdadeiramente as mentes preparadas”.
App favorita
Recentemente vi uma aplicação – a Timeline – que permite ler notícias que depois são contextualizadas com notícias anteriores. Num mundo de excesso de informação, o mais importante é a capacidade de interpretação e perceber o sentido da informação que nos chega.
Hobbies
Leitura, cinema e família.
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