Uma investigação portuguesa está a estudar a influência da perceção exterior no desenvolvimento de doenças neuropsiquiátricas. A pesquisa poderá abrir caminho a novos tratamentos e fez manchete na mais prestigiada revista internacional de Neuroimagem
Uma investigação portuguesa está a estudar a influência da perceção exterior no desenvolvimento de doenças neuropsiquiátricas. A pesquisa poderá abrir caminho a novos tratamentos e fez manchete, este mês, na mais prestigiada revista internacional de Neuroimagem, a Human Brain Mapping.
A primeira fase da investigação envolveu adultos jovens saudáveis. Os participantes foram convidados a interpretar uma série “de imagens reais a preto e branco que foram desfragmentadas”, explica o neurocientista Miguel Castelo-Branco ao Boas Notícias.
A ideia é fazer testes que, à semelhança dos testes de Rorschach, pedem às pessoas que interpretem as imagens a que são expostas. Só que nestes casos, havia de facto uma imagem objetiva para ser interpretada.
A equipa de investigadores do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS) e do Instituto Biomédico de Investigação de Luz e Imagem (IBILI) da Universidade de Coimbra (UC) usou técnicas de imagem multimodal (Eletroencefalografia e Ressonância Magnética funcional) para perceber de que modo o cérebro dos participantes conseguiu decifrar e reconstruir as imagens.
Dois módulos cerebrais identificados
“Conseguimos identificar os módulos cerebrais que estão associados ao processo de decisão (nessa reconstrução): um sediado no córtex visual e outro noutra região do cérebro associada à dificuldade da decisão, a ínsula anterior”, revela o neurocientista.
No futuro, este estudo enquadrado na neurociência básica, pode ter “fortes implicações nas doenças neuropsiquiátricas, onde os circuitos de perceção visual podem estar fragmentados. Se percebermos como está alterada a perceção, podemos pensar em mecanismos que restabeleçam a harmonia do ritmo cerebral”, esclarece o investigador da UC.
Estudo pode abrir caminho a novos tratamentos
“Sabe-se que certas patologias – como o autismo e a esquizofrenia – estão relacionadas com problemas de perceção visual”, acrescenta Miguel Castelo-Branco, dando o exemplo de episódios de esquizofrenia onde há alucinações, ou seja, uma distorção da perceção.
Assim, o próximo passo da equipa é avançar para a fase clínica submetendo pacientes com autismo e esquizofrenia, de várias faixas etárias, ao mesmo tipo de testes: “O que suspeitamos é que estas patologias estão relacionadas com problemas no circuito cerebral ligado à perceção e às sensações, o que resulta em problemas de processamento da informação”. Esta fase clínica da investigação deverá prolongar-se durante os próximos três anos.
O neurocientista acredita que, a confirmar-se esta suspeita, será possível “desenvolver novas terapias que ajudem a equilibrar a harmonia do ritmo cerebral em termos de perceção e de construção do mundo exterior”.