por Patrícia Maia
Mónica Calle gosta de trabalhar fora da zona de conforto. Nos ensaios da nova peça da Companhia Maior, a que o Boas Notícias teve oportunidade de assistir, tudo se experimenta. Os gestos, as palavras, as coreografias são hipóteses que se vão construindo. E é desse diálogo que a peça “Iluminações” nasce.
“Na realidade, só na véspera da estreia é que vai estar completamente pronta porque vão sempre surgindo coisas que interessam e outras que não interessam e se deitam fora. Esta maneira (de trabalhar) pode ser um bocadinho angustiante mas também cria muitas possibilidades”, explicou a encenadora ao Boas Notícias no intervalo de um dos ensaios da companhia.
Nos meses que antecedem a exibição da peça, a Companhia Maior ensaia “no duro”, cinco dias por semana, seis horas por dias. No palco decoram-se as falas, ensaiam-se danças, estudam-se os corpos, ultrapassam-se medos. “Trabalhar com grupos grandes é sempre um desafio, mas apesar do tempo ter sido bastante reduzido, posso dizer que gostaria de poder encontrar sempre um grupo de pessoas tão disponível, tão generoso e corajoso”, salienta Mónica Calle.
Ainda que as hipóteses sejam testadas até ao limite, há certezas de que, no palco do CCB, vão estar palavras de Beckett, Thomas Bernhard, Rimbaud, Stig Dagerman . “Esta é uma peça sobre a memória e acabei por convocar as minhas próprias memórias ao trabalhar com os autores que me têm acompanhado desde sempre”, explica a encenadora.
“Uma violência boa”
Iva Delgado, a filha do General Sem Medo, é uma das intérpretes da companhia desde a sua formação, em 2010. Não tinha experiência em teatro mas sabia lidar com grandes audiências, fruto do seu trabalho à frente da Fundação Humberto Delgado. Quando soube que estavam a recrutar atores “maiores” para formar uma companhia profissional não hesitou. “Para mim foi uma oportunidade de deixar o passado e viver um novo presente. Aqui confronto-me e confrontam-me com novas possibilidades”, explica ao Boas Notícias.
Sobre a nova peça, Iva Delgado, de 72 anos, afirma, com humor, que “tem sido uma experiência violenta”. “Mas no bom sentido”, ressalva, “no sentido em que nos confrontamos, em que somos levados ao limite”. “Apesar da nossa idade não há espaço para condescendências, e isso é muito bom, somos profissionais, não podemos cair no facilitismo”.
Claro que a idade traz desafios. As falas podem demorar mais a decorar, às vezes custa ler os textos de apoio e, se alguém se esquecer dos óculos, é uma chatice. Também as danças e as coreografias são condicionadas por pernas e braços que nem sempre respondem da maneira desejada.
Mas a provar que basta querer para as coisas acontecerem, um dos pontos altos de “Iluminações” (pelo menos para o Boas Notícias) será o solo de Luna Andermatt (mãe da coreógrafa Clara Andermatt), a atriz mais idosa do grupo, com 87 anos. Ainda que contando com o apoio de uma cadeira, a primeira diretora da Companhia Nacional de Bailado estará em palco, de sapatilhas rosa, numa dança só dela.
A urgência da digressão
Depois da estreia no CCB, este sábado, dia 03 de Novembro, a peça deverá partir em digressão pelo país, tal como aconteceu com as anteriores produções da Companhia Maior: “Bela Adormecida”, com encenação de Tiago Rodrigues (2010) e “Maior”, de Clara Andermatt (2011). No entanto, as datas ainda não estão definidas e a tournée poderá ser prejudicada pelos recentes cortes na área da cultura. “Apesar dos cortes esperamos fazer a digressão, a intenção é essa”, sublinha Mónica Calle.
Entre os intérpretes, a opinião é unânime: é nas digressões que a companhia cumpre em pleno o seu papel. “Nas digressões interagimos mais com o público e faz muito bem às pessoas, sobretudo pessoas de idade, verem que não agimos como idosos, não gostamos de condescendência”, conta Iva Delgado (na foto abaixo) recordando uma noite em que o grupo ficou alojado numa casa onde havia um Lar de Idosos. “Chegámos lá e fizemos uma festa. A Manuela Sousa Rama cantou Edith Piaf, outros cantaram fado, eu desafiei um idoso bonitão de cabelo branco para dançar”.
O instante em que as pessoas “são soberbas”
Manuela de Sousa Rama, que foi a cara de vários programas da RTP e que acumula o seu percurso na Companhia Maior com muitas outras atividades, é um exemplo claro de como a idade pode ser, apenas, uma outra oportunidade. Manuela é uma intérprete “maior” capaz de fazer corar os jovens mais sedentários: faz dança clássica, sapateado e participou recentemente no filme “Second Life”, de Alexandre Valente.
Para esta atriz e dançarina, a existência desta companhia é fundamental para mostrar às pessoas que a vida não acaba depois dos 60 anos: “As pessoas não têm de ficar em casa de pantufas só porque chegaram a uma determinada idade”.
Aqui, ser “maior” é pisar o palco, enfrentar as luzes, cintilar. E de 03 a 06 de Novembro será possível assistir ao vivo a estas “Iluminações”, um título que, conta Mónica Calle, foi inspirado num poema de Rimbaud que remete para ideia do teatro como “uma espécie de praça pública onde as pessoas, nem que seja por um instante, são soberbas”.
Clique AQUI para consultar horários e reservas da peça que vai estar em cena no Pequeno Auditório do CCB e que se insere, ainda, no Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e Solidariedade. Clique AQUI para visitar o Facebook da companhia.