De acordo com dados Direção-Geral das Estatísticas do Ensino Superior e Ciência anualmente, mais de 35 mil estudantes provenientes vários países vêm estudar para Portugal. No âmbito das comunidades de língua portuguesa, Angola, Brasil e Cabo Verde destacam-se como os principais países de origem. A tendência é crescente e começa a ser cada vez mais raro percorrer os corredores das mais prestigiadas universidades nacionais, sem ouvir falar o “português-do-brasil” em sotaque aberto, que nos transporta de imediato para o outro lado do Atlântico.
Alunos inscritos (e distribuição percentual), segundo o sexo, por país de nacionalidade estrangeiro | Fonte: aqui
Este movimento crescente de estudantes provenientes do Brasil teve origem numa mudança na legislação portuguesa que permitiu a candidatura de estrangeiros à graduação, e por consequência, uma progressiva incorporação da nota no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). A primeira universidade portuguesa a aceitar o ENEM no processo seletivo para brasileiros foi a Universidade de Coimbra, em 2014. Atualmente já existem 22 instituições portuguesas que permitem o mesmo procedimento.
A Universidade de Coimbra, o ano letivo de 2016-2017 registrou o maior número de brasileiros em licenciaturas, mestrados e doutoramentos desde 2010: um total de 2.300 estudantes. E os dados das Universidades do Algarve, do Porto e de Lisboa revelam, igualmente, uma tendência crescente de estudantes provenientes do Brasil.
Nas palavras da Professora Alice Donat Trindade, Vice-Presidente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa “o ISCSP, enquanto Observador Consultivo da CPLP, tem como objectivo primordial na captação de estudantes internacionais, os estudantes africanos, americanos e asiáticos falantes de português. Mencione-se que o Instituto nasceu em 1906 para formar, no quadro das condições históricas da época, administradores para os territórios portugueses de Além-mar, tendo assim uma ligação genética a um público internacional. Desde 2013, ano de entrada do ISCSP no Eduniversal Masters Ranking[i] na área de formação pós-graduada em Comunicação (27º lugar a nível europeu em 2017), o apelo aos numerosos estudantes desta área científica provenientes do país com maior número de falantes de português, o Brasil, tem vindo a crescer, em número absoluto e em qualidade dos candidatos.”
Renard Vasconcelos, jornalista de Belo Horizonte está, atualmente, a realizar o mestrado em Comunicação Estratégica no ISCSP e o idioma foi o fator decisivo para a sua escolha “Sempre tive vontade de fazer um mestrado fora do Brasil, mas tive receio de escolher um país cuja língua não domino totalmente e ter dificuldades no momento da redação da dissertação. Já conhecia Portugal e gosto muito do país, da cultura, da comida e do clima. Portugal é um país tranquilo e interessante. No princípio, tive certa dificuldade com a burocracia portuguesa para a emissão dos documentos, com longas filas de espera e informações desencontradas, mas depois de superada essa etapa, considero que a experiência tem sido bastante agradável e enriquecedora.”
Também Ludmila do Prado, publicitária de São Paulo, confessa que o idioma foi um dos principais fatores na sua tomada de decisão “escolhi Portugal pela facilidade da língua, pela qualidade dos cursos de mestrado e pelo preço mais acessível do que outros países da Europa.”
A maioria dos estudantes brasileiros a estudar em Portugal, encontra muitas semelhanças entre os regimes de ensino entre os dois países “percebo mais semelhanças que diferenças. Contudo, noto que em Portugal há um tom mais formal na relação dos professores com os alunos” refere Nathan Ferreira Carvalho, publicitário do Rio de Janeiro que selecionou a Universidade de Lisboa para prosseguir nos estudos avançados.
Já Ravena Sombra, jornalista, de Fortaleza e mestranda de Comunicação Social, consegue encontrar algumas diferenças da realidade entre o Brasil e Portugal no que respeita ao ensino superior “comparar uma licenciatura de um país e um mestrado de outro seria reduzir demais as capacidades de cada um dos lugares. Porém, há vantagens num e noutro. Aqui em Portugal, o que percebi, pelo pouco tempo que estou aqui, é que o aluno tem mais autonomia de pesquisar e atuar onde ele realmente tem mais afinidade e de buscar autores que mais estejam alinhados com a linguagem de cada discente.”
Larissa Roscio da Costa é luso-descendente e acumula a realização do mestrado na Universidade de Lisboa com o trabalho na capital portuguesa. Encara a experiência de ser trabalhadora-estudante com muito entusiasmo “tem sido uma experiência ótima. Portugal possui leis que possibilitam um maior conforto aos estudantes e respeitam a carga horária de ensino. Isso permite-nos uma maior possibilidade de crescimento profissional e uma maior dedicação aos estudos.” A jornalista considera ainda que a qualidade das instalações de ensino em Portugal são superiores “posso dizer que infelizmente no Brasil as universidades públicas muitas vezes deixam a desejar neste quesito por falta de investimento do governo, embora os professores estejam igualmente qualificados como os portugueses e se dediquem a fornecer um bom ensino.”
Thais Ferreira, analista de marketing, mora em Portugal há mais de um ano, com o marido e relata que no Brasil nunca foi possível conciliar o trabalho com os estudos “aqui, com meus horários de trabalho e também com o estatuto de trabalhador-estudante, isso se tornou possível. Este é um dos pontos mais importantes para mim! O estatuto do estudante trabalhador é um exemplo que o Brasil deveria seguir. Permite mais flexibilidade nos horários de trabalho e também para realizar exames” para a londrinense “nas Universidades Públicas do interior do Brasil os horários de aulas são em horários comerciais e apenas em grandes centros se consegue fazer um mestrado e trabalhar ao mesmo tempo, e tem de ser em Universidades Particulares.”
As questões relacionadas com as tradições culturais, o clima de segurança e tranquilidade que se encontra em Portugal são muitas vezes referidos pelos estudantes brasileiros “eu só tenho boas impressões de Portugal. É um país com um clima ameno, possibilidade de crescimento para quem se dedica e principalmente segurança, uma das coisas que mais buscava no país que escolhi para morar” afirma Larissa Roscio da Costa. A tranquilidade é um tópico que é mencionado também por Ludmila do Prado “a vida em Portugal é mais tranquila do que a vida em São Paulo.”
Já Thais Ferreira encontra semelhanças nas tradições culturais dos dois países “vejo que o jeito festeiro do brasileiro tem muito a ver com a tradição portuguesa e me encantei pelas ruas estreitas, escadarias e pelos cheiros da cidade que vão de sardinha às castanhas. Fiz amigos portugueses e sempre aproveito para obter informações sobre os costumes, palavras e coisas típicas daqui. Tem sido uma experiência incrível e apaixonante.”
A par de quem viaja sozinho, apenas para objetivos de estudo, há também casais, alguns com filhos ainda pequenos, que optam por Portugal para refazer a vida e iniciar novos ciclos de estudos e emprego. Eduardo da Silva e Andreia Soares, de Florianópolis, são casados e pais de uma menina com um ano e meio. Chegaram no início do ano ao nosso país “estamos gostando muito da experiência! A segurança é incrível, o clima é bom e estar tão perto de outros países é muito animador e estimulante. Em quatro dias já é possível escapar para outro país – no Brasil, um país continental, era mais difícil.” Eduardo deixou a sua posição como empresário no Brasil e abraçou o desafio da consultoria imobiliária em Portugal “acredito que seja o momento, pois há um boom imobiliário em Lisboa. No Brasil, as imobiliárias e os imóveis são mais valorizados nos anúncios de imóveis do que o corretor. Aqui, não. O consultor coloca a foto no cartão, o nome nos flyers e cartazes de divulgação e têm até uma página pessoal nas redes sociais.” Para o consultor, em Portugal “as pessoas valorizam um relacionamento mais pessoal, confiam mais nas pessoas do que no nome de um empresa somente.” Andreia quer dedicar-se inteiramente ao mestrado e é, atualmente, aluna da Universidade de Lisboa “nunca imaginei que teria essa experiência aos 38 anos. Sempre tive vontade de morar em outro país e estudar fora, mas nunca tinha tido a oportunidade quando mais jovem. Acredito que está sendo uma experiência e tanto parar para refletir sobre as coisas a esta altura da vida, mais madura.”
Existem diversas opções de bolsas de estudo para estudantes do Brasil que procuram aprofundar os seus estudos em Portugal. As bolsas mais conhecidas são da Fundação CAPES (Ministério da Educação no Brasil) e a FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) de Portugal. Para conseguir um visto de estudante é necessário ser aceite numa universidade portuguesa, reunir a documentação e procurar informação nos respetivos consulados.
“Claro que os desafios são maiores para todos, escola, alunos e professores, mas a Universidade abarca o Mundo e ele agora é global nas suas expressões locais – mais ainda na área da educação pós-graduada que movimenta milhões de Estudantes por todo o Mundo em cada ano. O mundo falante de português tem, no universo da educação, uma possibilidade de se equiparar a outras comunidades linguísticas que já se organizaram anteriormente e propor, pelas pesquisas empreendidas expressas nos resultados escolares e publicações, um acervo de materiais em português, sobre a realidade dos países que falam esta língua. Consolida-se assim uma comunidade de conhecimento predominantemente atlântica, mas que consegue exceder o triângulo Europa, África, América, chegando à Ásia. São poucas as comunidades linguísticas de origem europeia que conseguem atingir este feito.” Conclui a Professora Alice Donat Trindade, Vice-Presidente do ISCSP.
[i] Podem consultar-se os resultados seguindo o link: http://www.best-masters.com/ranking-master-in-portugal/master-communications.html
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