O estudo foi publicado ontem na edição online da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) – http://www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1618389114
Atualmente, de uma forma geral, a eficácia de uma quimioterapia anti-cancro não é testada de modo personalizado. Os tratamentos são “receitados” tendo em conta as taxas de sucesso obtidas em ensaios clínicos com muitos doentes. Os testes personalizados, que consistem em transplantar células do tumor humano para ratinhos, apenas podem ser realizados em alguns grandes hospitais ou centros oncológicos.
Como os ratinhos são, tal como nós, mamíferos, têm muitas semelhanças connosco em termos biológicos. Por este motivo, a resposta do tumor ao medicamento no ratinho é preditivo do seu comportamento no doente. No entanto, trata-se de um processo muito moroso, que não fornece respostas em tempo útil (o tumor demora meses a crescer no ratinho). Pelo contrário, se as larvas de peixe-zebra revelarem ser um bom modelo para estes testes, torna-se possível determinar qual é a melhor quimioterapia a utilizar em cada caso em menos de duas semanas, concluem Rita Fior, Miguel Godinho Ferreira e os seus colegas.
Estudos anteriores já tinham mostrado que estes diminutos animais aquáticos poderiam de facto constituir um bom modelo para a farmacologia humana. E os resultados preliminares agora publicados pela equipa portuguesa provam-no: “Mostrámos pela primeira vez que o peixe-zebra e o ratinho respondem da mesma maneira aos tratamentos: com os mesmos fármacos obtemos os
mesmos efeitos no ratinho e nas larvas de peixe-zebra”, explica Miguel Godinho Ferreira.
A equipa, que inclui clínicos e patologistas, descobriu – como se pode ler no artigo agora publicado – que bastavam pequenas diferenças não aparentes entre tumores para que fossem precisos fármacos diferentes para os tratar. Mais ainda, os cientistas confirmaram que uma única mutação num gene chamado RAS – e conhecido por estar muitas vezes alterado nos tumores – bastava para alterar a resposta do tumor ao tratamento. “Obtivemos uma resolução incrível”, diz Miguel
Godinho Ferreira, “uma sensibilidade ao nível do alelo [variante de um gene]!” “Já existiam alguns estudos independentes sobre este tipo de abordagem no peixe-zebra,” explica Rita Fior. “O que é novo no nosso trabalho é que nós testámos o modelo para ver se conseguia detetar diferenças mesmo pequenas, fizemos o ‘screening’ das opções terapêuticas disponíveis para testar a sua
eficácia, comparámos os peixes com os ratinhos e fizemos um estudo experimental preliminar com amostras de doentes.”
Na última parte do novo estudo, os cientistas compararam de forma preliminar as previsões fornecidas pelas larvas para cinco doentes. “Transplantámos para peixes as massas tumorais provenientes de cinco doentes com cancro colorectal dos Centro Clínico Champalimaud e do Hospital de Amadora/Sintra”, refere Rita Fior. Após a cirurgia, os doentes com cancro colorectal costumam ser submetidos a uma quimioterapia, de forma a reduzir as probabilidades de reincidência do cancro. E o que os cientistas fizeram foi submeter os avatares desses cinco
doentes à mesma quimioterapia e comparar a resposta ao tratamento no peixe com a resposta na pessoa.
“Houve dois doentes para os quais os tumores nas larvas não responderam à quimioterapia escolhida”, diz ainda Rita Fior. E de facto, em concordância com os nossos resultados, pouco tempo depois, esses doentes sofreram uma recidiva.” Pelo contrário, outros dois doentes, cujos avatares responderam ao tratamento, “encontram-se bem até agora”, diz Miguel Godinho Ferreira.
Resumindo: o teste funcionou, neste pequeno estudo, em quatro dos cinco casos.
A fase seguinte deverá consistir em fazer o mesmo tipo de comparações em centenas de doentes para ver se o poder preditivo do teste se confirma, o que poderá demorar cerca de dois anos. “Se tudo correr bem, vamos poder informar os oncologistas do resultado das várias terapias nos avatares; serão sempre eles a ter de escolher o tratamento, mas poderão fazê-lo com base em
testes individuais”, diz Miguel Godinho Ferreira.
“O nosso sonho” conclui, “é desenvolver um ‘antibiograma’ para o cancro. Tal como é corrente nos dias de hoje para as infeções bacterianas, nós antevemos obter uma espécie de matriz da eficácia dos vários fármacos para cada doente, que permita aos médicos escolher a terapia mais indicada a cada pessoa.”