Cultura

Céu Guerra, 35 anos a ‘erguer’ A Barraca

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A Barraca é a prova de que é possível criar uma obra à margem do poder financeiro. No mês em que a companhia celebra 35 anos, o Boas Notícias entrevistou Maria do Céu Guerra, fundadora e alicerce do projeto. Percorrendo a “euforia” dos primeiros anos, a atriz fala de uma companhia “atual e contundente” que continua a refletir os problemas de um povo. 

Por PATRÍCIA MAIA
 
Como é que uma companhia independente como A Barraca permanece de pé durante tantos anos?

Com um enorme e continuado trabalho teatral. Mas não só. Também com um esforço de ligação aos vários setores sócio-culturais  para quem o teatro possa significar um factor de crescimento, de estímulo e de prazer.

A Barraca começou por ser uma companhia itinerante… A itinerância continua a ser uma prioridade?

A Barraca antes de mais nada quer chegar ao maior número de pessoas possível. Por outro lado, como o Teatro é em grande parte pago pelo Estado e o dinheiro do Estado vem dos Contribuintes, o Teatro subsidiado devia estar  disponível para esse e outros serviços de interesse público. Tal como fazer trabalho para escolas, por exemplo.

Quais foram os momentos mais marcantes do percurso d´A Barraca?

Talvez a euforia dos primeiros 10  anos. Com atores amigos e com experiências comuns, como o Mário Viegas, o Luís Lello, o Santos Manuel, a Paula Guedes, a Fernanda Lapa, eu. O tempo de trabalho com Augusto Boal. A entrada para o grupo de Hélder Costa, chegadinho de Paris e cheio de vontade de fazer teatro de grupo e rever as mitologias portuguesas impingidas pelo Estado Novo. Foi um tempo muito bom que determinou o que o grupo viria a ser para o futuro.

Composições de Zeca Afonso, Vitorino, Fausto integraram as vossas peças… Que papel representa a música na vossa companhia?

Foi a criação de um género que não existia em Portugal… O Teatro musicado sem nenhuma proximidade com a revista nem com a opereta. Partindo de uma matriz brasileira, foi adaptada e recriada pelos nossos compositores que convidados pel´A Barraca realizaram trabalhos inesquecíveis a que os nossos espectáculos muito ficaram a dever.

Quais são os resultados do trabalho feito no estrangeiro, nomeadamente em Espanha, em Moçambique e no Brasil?

Criámos com esses países relações inesquecíveis. Em Espanha  fomos várias vezes premiados, no Festival de Sitges, com peças do Hélder. Em Sevilha fui premiada eu pela Unesco pela criação de Maria Parda. […] Em Moçambique fomos o primeiro grupo de Teatro profissional a ser recebido como amigo depois da Independência… Isso corresponde a  uma relação de amizade que só se acaba quando morrermos todos. Com o Brasil temos uma amizade sem fim constantemente renovada. Ajudámos a criar novas experiências. Sem paternalismo, sem demagogia e sem exploração.

A vossa companhia é muito eclética ao nível dos textos que encena, interpretando textos clássicos como a “Antígona” (de Sófocles), dramaturgos mais modernos como Dário Fo e Nikolai Gogol, e textos contemporâneos como os de Hélder Costa. Como escolhem as peças que vão encenar?

[…]As nossas escolhas decorrem da atualidade e contundência do que nos parece ser o discurso de cada obra. Assim, montamos a “Antígona” quando queremos falar da Justiça, “O Inspector Geral”, de Gogol, quando nos interessa atacar os corruptos. É simples.

A vossa mais recente peça, “A Balada da Margem Sul”, fala sobre conflitos sociais. É importante para a Barraca refletir o que se passa no nosso país?

Claro que sim. É importante para cada povo ver-se refletido e interpelado nos espectáculos que vê em cena. Já que a ficção da televisão é como o McDonalds…. igual em toda a parte.

Que tipo de peças atraem mais público?

Os bons espectáculos atraem sempre o público. O que não quer dizer as boas peças. Há péssimos espectáculos feitos a partir de grandes textos. O grande público adora comédias. Mas A Barraca, para o bem e para o mal, não tem a dimensão do grande público. As nossas salas têm 170 lugares cada uma. Por essa razão estamos completamente livres das lógicas a que show business obriga.

É possível definir o público d´A Barraca?

Temos um grande público jovem devido a uma certa irreverência nos temas e na estética não alinhada com o que está dar em cada momento e também da opção  de trabalharmos continuadamente com escolas. E temos um público mais velho que trazemos connosco desde os primeiros tempos e que, por nada deste mundo, queremos perder.

Trabalha desde 1978 com Hélder Costa. É importante ter uma equipa estável para conseguir um projecto cultural sustentável?

É importante. Embora muitas vezes difícil. Por vezes os caminhos desencontram-se e é preciso paciência para se reencontrarem. Mas também esse esforço é estimulante.

A Barraca, como outras companhias de teatro independente, tem passado por momentos financeiros difíceis. Qual é a situação actual?

Desde Novembro que estamos a viver só da bilheteira e da benevolência bancária que, como sabe, tem um juro altíssimo. Além disso a Barraca tem subsídios demasiado baixos para o montante de trabalho que desenvolve. Por isso trabalha demais, tem sempre pouco tempo para ensaiar e anda sempre aflita para pagar os ordenados.

É importante ter um espaço próprio como o TeatroCinearte de Santos?

É maravilhoso ter um espaço próprio. Dá muito trabalho mas é muito compensador. Acho que todos os sacrifícios que tenho feito de vida e carreira para manter a Barraca estão compensados por este espaço. É tão importante para a regularidade e o desenvolvimento do trabalho teatral, como pela possibilidade de ser um útil anfitrião, permitindo o trabalho e o desenvolvimento de outras companhias.

O que pensa do teatro que se faz actualmente em Portugal?

Está melhorzinho, tem remédio, mas ainda não está bom. Falta-lhe dinheiro e humildade.

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