Hélder Pereira, Diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital Garcia de Orta, em Almada, é o novo coordenador da iniciativa Stent Save a Life (SFL) na Europa e na Rússia. O cardiologista foi convidado a coordenar estas regiões depois da iniciativa ter deixado de abranger apenas países europeus e se ter tornado global, com a integração de outros países da América Latina, África e Ásia. Stent Save a Life (SSL) é a nova designação deste projeto, que tem como objetivo reduzir a mortalidade por enfarte agudo do miocárdio.
“A globalização veio mostrar o sucesso do SFL e significa para nós um grande desafio, já que o projeto congrega, agora, realidades muito diferentes: desde países em que a maioria dos doentes não é reperfundido, a outros em que ainda só se usa a estreptoquinase, ou em que a taxa de revascularização por Angioplastia Primária (P-ICP) é superior a 90%”, disse o cardiologista. E acrescentou: “não temos dúvidas de que a experiência de países que já se encontram numa fase mais avançada deste processo, como é o caso de Portugal, será de grande utilidade para aqueles que ambicionam melhorar o tratamento do enfarte”.
De realçar que Portugal integrou este projeto em 2011 com o intuito de melhorar a performance nacional em P-ICP. E que passado cinco anos o balanço da iniciativa é, segundo Hélder Pereira, positivo, no entanto “ainda há muito a melhorar e por isso é fulcral que se continue a trabalhar, se mantenha a campanha ‘NÃO PERCA TEMPO. SALVE UMA VIDA’ e se continue a desenvolver programas organizacionais e educacionais”.
Dos sintomas até ao primeiro contacto médico
O antigo Presidente da Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular (APIC), explicou que, em meados da década passada, realizavam-se em Portugal pouco mais de uma centena de P-ICP por ano e por milhão de habitantes e apenas 23% dos doentes pedia ajuda através do 112. “Por essa altura erámos um dos países europeus com uma das piores performances em P-ICP. Hoje, já nos aproximamos das quatro centenas por milhão e estamos dentro da média europeia”, sublinhou.
Durante a vigência do SFL, entre 2011 e 2016, importa ainda salientar que se observou um aumento dos doentes que ligaram para o 112 (de 35,2% em 2011 passámos para uma taxa de 46,6% em 2016), e uma diminuição da percentagem de doentes que se dirigiu para hospitais sem cardiologia de intervenção (54,5% vs 42,4%). “Também se verificou um aumento do transporte pré-hospitalar pelo INEM (13,1% vs 30,5%) e do transporte secundário (0,5% vs 8,1%)”, enfatizou o médico que coordena agora a região da Europa e da Rússia deste projeto, antes de sublinhar o facto de que, apesar dos avanços alcançados durante estes cinco anos, ainda existem diversos fatores a melhorar.
“Muitos de nós tinham a expetativa de que o ‘Atraso do Doente’ (que começa a contar desde o início dos sintomas até ao primeiro contacto médico) e o ‘Atraso do Sistema’ também tivessem diminuído, o que não se verificou”, começou por explicar Hélder Pereira, acrescentando que “isso não aconteceu nem tão pouco seria expectável que assim sucedesse”. Para ele, estes não são bons indicadores para um sistema como o nosso, que está em fase de maturação e expansão, no entanto são bons para mostrar que a performance ainda está longe daquilo que se ambiciona, e que ainda há muito a melhorar.
“Todos compreendemos que ao alargarmos o acesso a regiões menos povoadas e mais remotas, o tempo do doente é, forçosamente, maior. Por outro lado, à medida que o INEM passou a transportar mais doentes, o primeiro contacto médico foi mais precoce, passando o cronómetro a contar para o lado do sistema”, disse. A propósito, o cardiologista sublinhou a importância dos cursos de formação e atualização sobre a gestão precoce do enfarte do miocárdio no pré-hospitalar e a nível da urgência hospitalar – os Cursos STEMINEM e STEMICARE, integrados na iniciativa SFL, que envolveram, até ao momento, cerca de 401 médicos e enfermeiros, profissionais do INEM, e 100 médicos e enfermeiros, profissionais dos serviços de urgências hospitalares.
O tempo “Porta-Balão” (inglês: “door-to-ballon” – D2B), que é o tempo entre a entrada num hospital com angioplastia primária até ao momento em que se abre a artéria por angioplastia, foi outro dos aspetos referidos pelo médico ao fazer o balanço dos cinco anos da vigência do Stent For Life em Portugal. “O D2B manteve-se em 54 minutos, respeitando as recomendações das guidelines das sociedades médicas para este tipo de situações”, disse antes de mencionar que o tempo recomendado é de 90 minutos, embora as guidelines da Sociedade Europeia de Cardiologia considerem que o ideal é 60 minutos. “Em Portugal este tempo é cumprido”, enfatizou o antigo Presidente da APIC. “O problema é que até ao doente chegar a um hospital com cardiologia de intervenção perde muito tempo, seja porque demora a pedir ajuda, seja porque se dirige a hospitais sem P-ICP”, acrescentou.
O cardiologista, que foi convidado a coordenar a região da Europa e da Rússia da iniciativa Stent Save a Life em maio deste ano, terminou a dizer que “Portugal tem sido indicado como um exemplo na implementação de uma iniciativa desta natureza e assim desejamos continuar”. A propósito, o atual Presidente da Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular, João Brum da Silveira, acrescentou que a nomeação de Hélder Pereira além de representar um importante desafio, “é também um reconhecimento, não apenas do excelente trabalho individual desenvolvido pelo champion, mas também coletivo, pelo desempenho da APIC na iniciativa SFL”.