Um grupo internacional de cientistas acredita ter descoberto um mecanismo no cérebro que dificulta a infiltração das células doentes naquele órgão e que pode inspirar formas de desacelerar ou impedir o desenvolvimento das metástases.
O processo de metástase, que permite às células cancerígenas “libertar-se” do tumor de origem e alojar-se noutros tecidos e órgãos, é a principal causa de morte entre os doentes com cancro. Agora, um grupo internacional de cientistas acredita ter descoberto um mecanismo no cérebro que dificulta a infiltração das células doentes naquele órgão e que pode inspirar formas de desacelerar ou impedir o desenvolvimento das metástases.
Apesar das metástases serem comuns, a maioria das células tumorais que viajam pela corrente sanguínea morrem antes de chegar ao destino – e isso é particularmente verdadeiro quando o destino é o cérebro, explica um comunicado do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, nos EUA, onde decorreu o estudo.
No caso do cancro do pulmão, por exemplo, células cancerígenas conseguem, ocasionalmente, infiltrar-se no cérebro, mas muito poucas sobrevivem tempo suficiente para desencadear novos tumores.
Pela primeira vez, uma equipa coordenada pelo catalão Joan Massagué procurou entender os motivos pelos quais algumas das células cancerígenas morrem e outras são bem-sucedidas na infiltração em diferentes partes do corpo, tendo identificado os genes e proteínas que controlam a sobrevivência das metástases do cancro da mama e do pulmão no cérebro.
Segundo Massagué, líder do estudo cujos resultados foram publicados recentemente na revista Cell, estes fatores de sobrevivência podem, futuramente, servir de alvo a novos fármacos para diminuir o risco de metástases, já que os especialistas acreditam que existe um único mecanismo que torna as células cancerígenas capazes de colonizar diversos órgãos, entre eles o cérebro, num número amplo de tipos da doença.
Cérebro é um dos órgãos com melhor proteção
Ao longo de quatro anos, os investigadores descobriram que o cérebro é um dos órgãos com melhor proteção contra as células tumorais que circulam pelo organismo, já que obriga estas células a entrar na corrente sanguínea e atravessar uma estrutura vascular complexa, a barreira hematoencefálica.
“Não sabíamos por que razão estas células morrem. O que as mata? E como é, ocasionalmente, as células sobrevivem neste estado vulnerável – por vezes escondidas durante anos no cérebro – para, a certa altura, desencadearem novos tumores? O que é que as mantém vivas e onde se escondem?”, questiona Massagué.
Foi a estas perguntas que os cientistas tentaram responder levando a cabo ensaios laboratoriais com modelos animais (ratos) de cancro da mama e do pulmão, dois tipos de tumor que com frequência alastram ao cérebro, e analisando um painel de genes que tem sido associado às metástases cerebrais.
A investigação mostrou que muitas das células cancerígenas que entram no cérebro são mortas pelos astrócitos, o tipo mais comum de célula cerebral, que segrega uma proteína denominada “fas ligand”. Quando se cruzam com os astrócitos, estes conseguem ativar nas células doentes um processo de autodestruição, que conduz à sua eliminação.
Além disso, o estudo revelou que as poucas células que conseguem escapar o fazem através da produção de uma proteína – a “serpina”, que atua como uma espécie de antídoto – e que estas células crescem agarradas aos vasos capilares, parecendo “abraçá-los como um panda abraça o tronco de uma árvore”, ilustra Massagué, em comunicado.
De acordo com o cientista catalão, “estes 'abraços' são claramente essenciais”, porque “se uma célula tumoral se afastar do seu vaso capilar é imediatamente atacada pelos astrócitos mais próximos”. O que a torna capaz de se manter nutrida e protegida é a associação aos capilares sanguíneos, habilitando-a a provocar o crescimento de novos tumores.
Chave pode ser fortalecer impedimentos naturais às metástases
“A maioria dos doentes com paciente estão em risco de sofrer metástases”, afirma Massagué, utilizando como exemplo o cancro da mama, que pode alastrar aos ossos, aos pulmões, ao fígado e ao cérebro.
A equipa adianta que esta descoberta, que identificou diversos mecanismos que os medicamentos poderão atacar, traz também novas possibilidades para a compreensão e estudo da biologia e da metástase, oferecendo potencial para o aparecimento de novas terapias assentes no fortalecimento dos impedimentos naturais a este processo.
“O que pode estar em causa é uma forma de, futuramente, prevenir simultaneamente o aparecimento de metástases em diversos órgãos” através de fármacos que obriguem as células cancerígenas a libertar-se dos vasos capilares por intermédio dos quais sobrevivem, conclui Massagué.
Clique AQUI para aceder ao estudo publicado na Cell (em inglês).