O consumo regular de cafeína, em concentrações equivalentes à toma de 5 a 7 cafés diários, consegue atenuar lesões cerebrais num modelo da doença de Machado-Joseph, revelou um estudo português desenvolvido nos últimos cinco anos.
O consumo regular de cafeína, em concentrações equivalentes à toma de 5 a 7 cafés diários, consegue atenuar lesões cerebrais num modelo da doença de Machado-Joseph, revelou um estudo português desenvolvido nos últimos cinco anos.
O trabalho em causa foi levado a cabo por uma equipa de investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular e das Faculdades de Farmácia e de Medicina da Universidade de Coimbra (UC) e, segundo os especialistas, constitui um elemento relevante para a continuação da compreensão da doença.
A doença de Machado-Joseph tem uma prevalência significativa em Portugal, especialmente nos Açores. A primeira descrição oficial data de 1972, dizendo respeito a uma família luso-americana, descendente de Guilherme Machado, que nasceu em São Miguel e emigrou com os filhos para o Massachusetts, nos EUA. No mesmo ano, em descendentes de José Tomás, originário da ilha açoriana das Flores, foi descrita uma doença semelhante.
Trata-se de uma patologia rara que se carateriza pela produção anormal de uma proteína, a ataxina 3, que causa toxicidade em diferentes zonas do cérebro. A doença aparece, normalmente, por volta dos 40 anos, e manifesta-se sob a forma de descoordenação motora, que começa por afetar a marcha e se estende depois à fala, que se torna pouco nítida, e aos movimentos finos das mãos, podendo haver também alterações oculares.
Cafeína exerce efeitos protetores no cérebro
Com o objetivo de avaliar o impacto da cafeína na doença de Machado-Joseph, as equipas de Coimbra induziram a doença no cérebro dos animais-modelo (ratinhos), recorrendo a vírus modificados causadores da neuropatologia.
As experiências e análises realizadas permitiram identificar o alvo onde a cafeína atua para bloquear a progressão da doença: o recetor A2A para a adenosina, explica um comunicado da UC.
Além disso, mostraram também, pela primeira vez, alterações na conexão neuronal em consequência da presença da cafeína, exercendo esta efeitos protetores, capazes de restabelecer a função cerebral por atuar como inibidora desta perturbação nos circuitos neuronais.
Esta descoberta representa, portanto, uma peça importante para o complexo “puzzle” da compreensão desta doença rara e incurável. Porém, os coordenadores do estudo, cujo autor principal é Nélio Gonçalves e que foi aceite para publicação na revista internacional Annals of Neurology, alertam que será preciso aprofundar a investigação.
“São resultados promissores que abrem pistas para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas, mas são necessários mais ensaios e estudos clínicos para confirmar se o alvo molecular é eficaz nos humanos”, sublinham os investigadores no comunicado enviado ao Boas Notícias.
Falar num novo medicamento é precoce
A comunidade científica “validou estas novas informações sobre os mecanismos envolvidos na neuropatologia, renovando a esperança na busca de um tratamento que permita atrasar a sua evolução. No entanto, estabelecer prazos para um novo medicamento chegar ao mercado é pura especulação”, admitem os co-autores Luís Pereira de Almeida e Rodrigo Cunha.
Ainda assim, clarificam, atualmente “não há nenhum mecanismo para interferir com a progressão da doença de Machado-Joseph, apenas se tratam os sintomas. Por isso, os resultados abrem portas para a definição de uma nova estratégia para frenar o surgimento da doença”.
O estudo contou com financiamentos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), da National Ataxia Foundation, dos EUA, e de uma Rede Europeia Marie Curie, que estuda o conjunto de doenças de poliglutaminas (TreatPolyQ).
Clique AQUI para aceder ao resumo do estudo publicado na Annals of Neurology (em inglês).
Comentários
comentários