Há seis anos seria inimaginável pensar num festival – um festival a sério com pulseiras, vários palcos e parque de campismo – só de bandas nacionais. Mas o impensável tornou-se realidade. Os palcos nasceram, as bandas tocaram, e o público apareceu. Na sua quarta edição, o festival bienal Bons Sons, na aldeia de Cem Soldos, em Tomar, volta a mostrar que “o que é nacional é bom”.
por Patrícia Maia
Aldina Duarte, na reta final de um concerto potente com fado puro e duro, confessou emocionada: “Desculpem a imodéstia mas estou mesmo orgulhosa do concerto de hoje”. Com ou sem modéstia, “orgulho” será talvez um bom sentimento para classificar o que se passou, nos dias 16, 17, 18 e 19 de Agosto, no festival Bons Sons. Os artistas deram de si o melhor e o público respondeu com empatia, com pedidos de 'encore', acompanhando as letras, enchendo as plateias. A música portuguesa, afinal, merece mesmo um festival só dela.
Aqui o fado castiço de Aldina Duarte (na foto), a bossa nova com roupagem fadista de António Zambujo, a intervenção quase lírica de Vitorino, a linguagem jazzística de Mário Laginha e Maria João partilham o cartaz lado a lado com o duelo de baterias dos Paus, o som sónico dos Linda Martini, a eletrónica experimental de Mikado Lab ou os sons irreverentes e contagiantes dos Batida, entre outros projetos musicais de maior ou menor dimensão.
Poderá parecer confuso mas há um fio condutor muito especial que une todos estes projetos: a produção nacional. No total, o festival acolheu mais de 40 concertos em língua portuguesa – ou pelo menos feita por portugueses já que no caso de alguns artistas, como The Legendary Tigerman, as letras são em inglês.
Os estilos são diferentes, por vezes opostos, mas é isso mesmo que a organização quer: provocar e sublinhar a diversidade da música portuguesa. “Aqui, o público que ouviu Aldina Duarte foi provavelmente o mesmo de Linda Martini e isso é muito bom. Queremos tornar as pessoas mais curiosas e abertas à diferença”, explica Luís Ferreira, 28 anos e diretor artístico do festival, ao Boas Notícias.
Plataforma de divulgação da música portuguesa
Para quem pensa que não há música portuguesa suficiente para fazer um festival bienal, bastará saber que, para a edição deste ano, a organização recebeu cerca de 300 propostas de projetos musicais para atuar o que prova que – mais do que um festival – o Bons Sons se assume como uma plataforma de divulgação da música portuguesa – embora todos os anos, haja espaço para um país convidado que, nesta edição, veio de Espanha, com as sonoridades de El Naán e Vigüela.
O palco acústico do evento – montado na sede da associação e equipado com guitarra, bateria, baixo, órgão e sistema de som – reflete bem esta aposta na divulgação. Durante quatro dias, o palco esteve à disposição dos visitantes que quisessem mostrar os seus dotes musicais. Muitos dos concertos tiveram casa cheia, como a performance dos Marko i Blacky, no sábado a noite, que deixou a sala a ferver.
O impensável aconteceu porque um grupo de amigos da associação Sport Clube Operário de Cem Soldos (SCOCS) acreditou e arriscou. Em 2006, a pretexto do 25º aniversário da associação, organizaram o primeiro Bons Sons só com bandas nacionais. “O que está a acontecer não era um cenário que não tivéssem imaginado. Em 2006, usámos o pretexto do aniversário para testar o conceito e perceber o que é isso da música portuguesa”, explica Luís Ferreira.
O primeiro Bons Sons foi um evento mais modesto com menos bandas mas mesmo assim contou com 20 mil pessoas – um número animador para uma primeira edição que terá sido, em parte, motivado pelo facto da entrada ser gratuita. Este ano o preço do passe para quatro dias aumentou para 35 euros (em 2010, primeiro ano em que a entrada foi paga, o passe custava 10 euros) mas mesmo assim Cem Soldos recebeu cerca de 35 mil visitantes.
Um festival comunitário
Além da música portuguesa, o Bons Sons tem a particularidade de acontecer dentro da aldeia. E isto de fechar uma aldeia para um festival não é coisa que esteja nas mãos de qualquer um. “Nós somos de cá e as pessoas conhecem-nos, compreendem o nosso empenho. Depois vamos casa a casa, vamos à missa explicar porque temos de arriscar e as pessoas acabam por se envolver”.
O eventual lucro do festival – que não tem fins lucrativos nem patrocinador oficial – é investido nos projetos sociais e culturais da associação desenvolvidos na aldeia, como o grupo de teatro, a escola de judo e ginástica, o programa de ATL, o serviço de apoio de refeições para as escolas, ou o programa Avós e Netos.
Como se faz um festival desta dimensão sem patrocínio? Com um “orçamento muito rigoroso em que cada despesa tem de ser muito bem implementada”, explica Luís Ferreira. Mas neste ponto talvez o mais importante seja a impressionante equipa de voluntários que ajuda o erguer (e a desmontar) o evento.
Este ano o festival culminou na participação de 300 voluntários, entre eles muitas das pessoas da aldeia que ajudaram na bilheteira, na condução dos veículos, na cozinha, entre outras tarefas. São, aliás, as próprias 'velhinhas' da aldeia que, com a ajuda dos netos, fazem a famosa lagartixa “Tixa”, a mascote do festival que tem vindo a adquirir novas formas, desde pins até ganchos para o cabelo e porta-chaves.
Este espírito comunitário marca o tom de um festival diferente no conceito e no público que recebe. Nas ruas de Cem Soldos, cruzamo-nos com jovens festivaleiros, outros jovens já mais adultos e também com muitas velhinhas da aldeia que assistem, curiosas, a alguns dos concertos. E foi por isso que The Legendary Tiger Man, no final do seu espetáculo, agradeceu à organização, ao público, e terminou com um “agradecimento especial a todas as velhinhas de Cem Soldos”.
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