Uma investigadora da Universidade do Minho está a estudar se o autismo é influenciado por alterações na parte sensorial do cérebro, impedindo a interação social e com o ambiente. O objetivo é perceber os circuitos neuronais por detrás dos comportamentos associados a este distúrbio, que afeta 70 milhões de pessoas no mundo e uma em cada mil crianças em Portugal. Esta segunda-feira, 2 de abril, assinala-se o Dia Mundial da Consciencialização do Autismo.
A cientista vai avaliar o registo cerebral de ratinhos modelo de autismo, nomeadamente na zona do córtex sensorial, que está ligada aos estímulos auditivos, visuais e táteis, permitindo a perceção do mundo. “Queremos perceber porque é que as pessoas com esta perturbação veem o mundo de forma diferente. A origem do autismo ainda não é conhecida, mas terá várias causas associadas”, explica Patrícia Monteiro, que trabalha no Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da UMinho, em Braga. Tem-se dedicado ao tema há vários anos, incluindo o doutoramento no MIT (Instituto de Tecnologia do Massachusetts), nos EUA, e já publicou em revistas ímpares como a “Science”, “Nature” ou “Neuron”.
Por exemplo, descobriu que é possível reverter alguns comportamentos ligados ao autismo na idade adulta, como o défice de interação social e os movimentos repetitivos. Para aí chegar, identificou uma associação entre o espectro do autismo e o gene Shank3. Este gene liberta uma proteína com o mesmo nome, que facilita a comunicação entre neurónios. Quando o Shank3 sofre mutações, dificulta essa comunicação, provocando alterações do comportamento. Há 1% de autistas que nascem com esse gene “adormecido”. Patrícia Monteiro demonstrou que se pode “ligar” e “desligar” a proteína em ratinhos com esta mutação, corrigindo o gene. Mais: se a correção do gene for feita em tenra idade, pode-se também reverter a ansiedade e a coordenação motora. Ou seja, quando mais cedo for a deteção, mais características sociais, comportamentais e comunicacionais se pode recuperar.
“Ao entendermos os mecanismos de ação do Shank3 e identificarmos as redes de neurónios afetadas, poderemos corrigir as alterações provocadas, mesmo sem sabermos a origem biológica do autismo. E, a partir daqui, vamos poder igualmente intervir noutros casos de autismo”, diz Patrícia Monteiro, para vincar: “Embora estas experiências não tenham para já aplicação direta nos humanos, ajudam-nos a compreender o conjunto de alterações biológicas potencialmente subjacentes às perturbações do espectro do autismo, em que vários aspetos do desenvolvimento da criança são afetados e permanecem na vida adulta”.
Patrícia Monteiro tem 33 anos e já recebeu bolsas de investigação da Organização Europeia de Biologia Molecular, do Centro de Neurociências e Biologia Celular, da Fundação para a Ciência e Tecnologia e do Programa Erasmus. É a primeira cientista radicada em Portugal com a “Society in Science – The Branco Weiss Fellowship”, uma das bolsas de pós-doutoramento mais prestigiadas no mundo, sendo atribuída pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça. É com esta bolsa que está também no ICVS a estudar, até 2021, de que forma o stress crónico conduz a doenças como a depressão e a ansiedade.