Luís Pereira de Almeida, que coordena uma equipa internacional no Centro de Neurociências e Biologia Celular da UC, diz ser essa uma via para promover a eliminação dessas proteínas indesejáveis, como é o caso da ataxina-3 mutada, a proteína tóxica envolvida na doença de Machado-Joseph.
Este processo de autofagia celular já foi confirmado pela sua equipa em modelos animais com a doença de Machado-Joseph, mas “também há evidências de que este mecanismo pode ter efeitos protetores nas outras doenças neurodegenerativas”, afirma o investigador, ligado à Faculdade de Farmácia da UC.
Nessas doenças há um bloqueio desse mecanismo de autofagia, uma falha dos mecanismos de degradação proteica que leva à acumulação no interior dos neurónios de proteínas com conformações alteradas, agregadas em diferentes graus, que se tornam tóxicas.
“É como se existissem 'sacos de lixo' que se começam a acumular quando a remoção do lixo numa cidade não é feita. Por outro lado, vimos também que uma das proteínas que era essencial a fazer este transporte, no fundo a remover este lixo – os 'camiões do lixo' – estavam em níveis mais baixos que o normal”, explica o investigador à agência Lusa.
Ou seja “em vez de haver um número normal de 'camiões do lixo' há um número menor, uma diminuição dos níveis da proteína beclina-1”, importante para este processo.
A partir desta descoberta, a equipa de investigação, que envolve ainda elementos de França, México e EUA, desenvolveu “uma estratégia de terapia génica em que aumentando a produção da proteína beclina-1 nos neurónios de modelos da doença de Machado-Joseph (culturas de neurónios e cérebros de ratos), promoveram a eliminação dessa proteína tóxica, a ataxina-3 mutante, e a redução da neuropatologia”.
“Não temos uma terapia que possa ser aplicada aos doentes já amanhã, mas o que isto nos trouxe foi um novo alvo terapêutico”, sublinha, acrescentando que já há medicamentos no mercado que ativam a autofagia celular.
Luís Pereira de Almeida realça que até já há fármacos que activam esse mecanismo através da beclina-1, só que “infelizmente são fármacos citostáticos, utilizados na terapia do cancro, dos quais não há garantias de que eles não vão ter alguma toxicidade”.
A sua equipa já está a testar em modelos animais outros fármacos que activam a autofagia celular pela via molecular, “com o intuito de trazer tão depressa quanto possível uma terapia aos doentes”.
A Machado-Joseph, que está a ser estudada por esta equipa de investigação, é uma doença neurodegenerativa que inicialmente foi identificada em descendentes de portugueses, principalmente açorianos.
Provoca a perda de coordenação motora e acaba por confinar os doentes a uma cadeira de rodas, não dispondo atualmente de um tratamento que permita bloquear a sua progressão.