por Patrícia Maia
O percurso literário de Valério Romão começou de forma auspiciosa, com três prémios do Clube Português de Artes e Ideias, em 2000, 2001 e 2002. Mas durante os últimos dez anos as palavras escritas de Valério Romão foram parcas, pontuadas apenas pela edição do seu primeiro romance “Medo em Seis Andamentos”, no ano 2000, e alguns textos para teatro.
Como se explica este silêncio prolongado da parte de um escritor tão promissor? “O que aconteceu foi um casamento de 10 anos e o Guilherme”, explica Valério Romão em entrevista ao Boas Notícias, “durante esse período eu não consegui escrever… Não tinha tempo ou inventava que não tinha tempo”.
Uma peça de literatura sobre o autismo
Guilherme é o filho de Valério Romão. Guilherme é autista. E desde o seu nascimento, há oito anos, a vida deste pai – e desta família – foi uma corrida sem fôlego onde a meta esteve sempre cada vez mais longe. O novo romance do escritor é a vida ficcionada desta família que mergulhou num abismo chamado autismo.
A mãe, o pai, os avós maternos e, claro, o filho – que no romance dá pelo nome de “Henrique” – são as personagens reais ou ficcionadas deste livro que nos corta a respiração. Mas há também um médico “fabuloso” que promete melhorias irrealistas, uma passagem desesperada pelas urgências de um hospital onde é impossível saber notícias do filho internado, terapeutas e charlatões, amigos que ficam cada vez mais longe.
A ação é marcada, sobretudo, por duas situações que aconteceram, na vida real desta família. Uma delas retrata o momento em que, aos três anos, o filho ingressa na escola perdendo as competências que tinha adquirido. “Houve um trauma suficiente forte que fez com que ele ficasse mais autista. Como ele, eu nunca recuperei dessa perda”, confessa Valério Romão.
Mas o cenário predominante nas páginas de “Autismo” é o afastamento dos pais, um amor que se fragmenta culminando na separação do casal: “Não se pode dizer que nos tenhamos separado porque o nosso filho é autista mas,nestas situações, há um grande desgaste especialmente quando uma das partes não consegue aceitar a situação”.
“Sermos pai ou mãe sem o sermos”
Apesar do título, este não é um manual nem um guia sobre o autismo. “Não tenho qualquer pretensão de dar um exemplo, uma lição ou uma ajuda. É apenas uma peça de literatura sobre o autismo porque foi a minha experiência”, salienta Valério Romão.
“Autismo” faz parte de uma trilogia que se desenrola sob o tema comum das “Paternidades Falhadas”, ou seja, “as formas de sermos pai ou mãe sem o sermos inteiramente”. “Quando temos um filho autista há uma parte de nós que não cumpre a paternidade em pleno, porque não ouvimos a palavra 'pai' e sentimos que podemos ser substituídos por qualquer outra pessoa”, explica o escritor.
Assim nasce o segundo volume da trilogia, que já está escrito, mas não fala sobre autismo. “No segundo volume interessei-me pelo caso de uma mãe cujo filho nasce morto”, conta Valério Romão, “outra situação que amputa a nossa identidade de pai ou mãe, outra forma de falhar essa identidade”.
Enquanto esperamos pelo segundo romance de “Paternidades Falhadas”, ficam-nos estas 353 páginas, editadas pela Abysmo, que Valério Romão, 37 anos, técnico de informática, escreveu de um só fôlego, em apenas dois meses. Fica-nos este amor sem retorno. Um precipício que se perpetua. E um livro que não se esquece.
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