Ciência

António Piedade: conhecimento é um direito universal

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Investigador na área da bioquímica, professor, comunicador de ciência. António Piedade, cronista do Boas Notícias, acaba de lançar, este sábado, na Feira do Livro de Coimbra, o seu mais recente livro: “Caminhos da Ciência”. Em entrevista, o autor explica a importância de aumentar o espaço da divulgação científica, num mundo onde cada vez mais as pessoas usufruem dos avanços da ciência e da tecnologia “sem questionar como nem porquê”.

Qual é o papel e a importância do comunicador de ciência?
O papel é o de tentar traduzir para uma linguagem acessível (…) o conhecimento científico escrito inicialmente numa linguagem estruturada e codificada, própria de cada domínio científico.
A importância reside em satisfazer uma necessidade que é comum a todos os seres humanos: a do querer saber. Sem alguém que conte a história, que faça a ponte entre as duas linguagens, não é possível uma comunicação efetiva Por outro lado, conhecer o que está a ser descoberto pelos nossos cientistas é um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homens. O papel do comunicador de ciência é da máxima importância para contribuir para uma cidadania livre e esclarecida.

Muitas descobertas cientificas não chegam a ser compreendidas pelo público em geral. Porque pensa que isso acontece e como se pode contornar?
Começo por responder que muitas das descobertas científicas não chegam a ser compreendidas por cientistas de áreas diferentes. Por isso, o problema da divulgação do avanço do conhecimento fica míope se não se for colocado como algo que tem de ser feito entre todos. 
Por outro lado, o dia-a-dia de todos nós está tão preenchido de ciência e a tecnologia que estas se tornam, paradoxalmente, quase invisíveis! Invisíveis no que diz respeito ao seu conteúdo, ao conhecimento implícito que as torna possíveis.
 Esta “invisibilidade” também dificulta a compreensão e a transmissão do conhecimento que está na sua base. Torna-se mais difícil racionalizar o conhecimento tácito, algo que recebemos primeiro quase que intuitiva e empiricamente. Basta-nos que funcione. Não interessa como, nem porquê. Utilizamos conhecimento e tecnologia sem nos apercebermos, por exemplo, que só conseguimos enviar um e-mail por causa de alguém ter descoberto há cem anos determinadas propriedades quânticas que descrevem transições eletrónicas em materiais semicondutores, como seja os que compõem os transístores, os micro e nano chips dos circuitos integrados. Que só desenvolvemos a tecnologia do GPS porque Einstein e outros investigaram e desenvolveram o conhecimento contido na teoria da relatividade!

Como se ultrapassa essa “invisibilidade” da ciência e da tecnologia?
(…) É necessário criar massa crítica, aumentar o número e a qualidade dos comunicadores de ciência em língua portuguesa, aumentar o espaço dedicado ao conhecimento científico e suas aplicações não só nos meios de comunicação social, mas também nas atividades lúdicas que a sociedade coloca ao dispor das famílias. É que, como diz Carlos Fiolhais, entre outros, a ciência é divertida. Porquê? Porque o ser humano tem prazer em descobrir, em conhecer mais, em compreender o mundo que o rodeia.

Como é que um homem da ciência, como o António que é formado em bioquímica, começa a “traduzir” descobertas cientificas para a linguagem comum?
(…) Tive a sorte de ter tido excelentes professores no liceu João de Deus, em Faro. Entre eles, uma professora de físico-química que, tendo sido aluna, entre outros, de Rómulo de Carvalho e de José Régio, me transmitiu o fascínio pela cultura humana independentemente do seu espartilho disciplinar. Ensinou-me que sem rigor e trabalho não há boa comunicação.
Saber comunicar é uma componente da atividade enquanto cientista. Investigamos, descobrimos ou não, e depois temos de contar aos outros o que encontramos. Somos autênticos exploradores. Se não contarmos aos outros o que descobrimos não existe, para além de não poder ser validado, aceite como útil. Se a descoberta não for partilhada ela não é útil a ninguém.
Por outro lado sou parte daquilo a que já alguém chamou de “geração Gradiva”. Esta editora galvanizou a divulgação de ciência em Portugal e permitiu que cada um, com o seu jeito ou dom, aprendesse a divulgar. Aliás, só lendo os melhores, quando bem traduzidos para português, é que podes aspirar a comunicar bem. E foi isso a editora do Guilherme Valente permitiu.

O feedback do público é importante?
Escrevo para comunicar. Só sei se comuniquei bem se houver alguma maneira de saber se a mensagem foi bem recebida e entendida, o que são coisas distintas.
Deste modo, só poderei melhorar e corrigir-me se tiver retorno (feedback) do público. Na ausência de retorno, fico como se estivesse a falar ou a cantar para uma parede.
Sem retorno do destinatário, do ouvinte, do leitor não perceberemos se comunicámos. Só ouviremos silêncio sem conteúdo ou eco narcísico.
 
Gosta mais de escrever para adultos ou para crianças?
Gosto mais de escrever bem e de conseguir comunicar. As crianças são mais genuínas e também mais atentas. Por isso até é mais fácil comunicar e ter retorno delas. Como disse Saint-Exupery, as crianças gostam de ser cativadas. Os adultos não gostam de dizer o que pensam, para não se comprometerem…
 
As suas filhas inspiram alguns textos?
As minhas filhas são “as notas da partitura que é a sinfonia da minha vida”, como escrevi na nota introdutória de “Caminhos de Ciência”.
 
Alguma vez pensou em escrever ficção?
Já. Mas por questões de disciplina, a ficção está, por enquanto, inibida.
 
Qual é o “António” que prevalece: o investigador, o professor ou o comunicador?
Uma vez perguntei ao Professor Rómulo de Carvalho (o poeta que escreveu sob o pseudónimo de António Gedeão) isso mesmo. Ele respondeu-me que era um só. Que não mudava de atitude consoante a atividade em que estivesse envolvido. Mas o que se passa, digo eu, é que nós ao longo do dia, dependendo das atividades a que estamos dedicados, utilizamos recursos, conhecimentos, métodos diferentes consoante as necessidades. E isso pode aparentar que há uma faceta que prevalece em detrimento de outras. A investigação é muito solitária, pouco comunicativa. A comunicação não pode ser solitária, tem de ser pública. Numa atividade professoral temos de ensinar, o que é simultaneamente uma tarefa solitária e pública.
Respondendo noutra perspetiva: para comunicar tenho de investigar. Uma coisa não existe sem a outra. E a experiência, enquanto professor, fortaleceu as competências na compreensão da natureza humana, o que é indispensável para comunicar bem.
 
O que podem os leitores encontrar neste novo livro ” Caminhos da Ciência”?
Um diálogo transdisciplinar entre ciência e arte, uma ponte entre as fronteiras do conhecimento e sua utilidade para o nosso dia-a-dia. Bons momentos de leitura, desejo eu.

P.M.

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