por Patrícia Maia
Agostinho da Silva nasceu na cidade Invicta, em 1906, e cresceu em Barca d'Alva. Na faculdade de Letras do Porto conclui a licenciatura em Filologia Clássica com 20 valores e o doutoramento com o “maior louvor”. Uma bolsa de estudo leva-o até à Sorbonne e ao Collège de France.
Agostinho torna-se efetivo do liceu José Estêvão em Aveiro, em 1933. Entusiasta, empenha-se muito para além das funções que lhe eram exigidas. “Tinha criado, por exemplo, uma caixa de apoio aos estudantes” mais pobres e outras ações “incómodas” aos olhos do Estado Novo, explica ao Boas Notícias Helena Briosa e Mota, mestre em Educação e investigadora de Agostinho da Silva.
Apenas dois anos depois de entrar para o ensino público, o professor é exonerado, por se recusar a assinar a Lei Cabral. Um documento onde tinha que jurar não pertencer a nenhuma sociedade secreta. Para além de Agostinho, só houve mais duas pessoas a dizer não: Fernando Pessoa e Norton de Matos.
Perseguido pelo Estado Novo e pela Igreja
Desempregado, Agostinho da Silva começa a dar aulas no ensino privado e explicações particulares. Mário Soares, mestre Lagoa Henriques, Manuel Vinhas, os irmãos Lima de Faria foram apenas alguns dos seus pupilos.
“Dava aulas de Filosofia, Cultura Portuguesa, Direito. Era uma homem perfeitamente pluridimensional”, contou ao Boas Notícias Helena Briosa. Para além disso, falava 15 línguas e dois dialectos africanos.
O professor inicia também uma série de palestras públicas, de Norte a Sul do país. E começa a publicação dos seus famosos cadernos de iniciação cultural, sobre áreas tão diversas como religião ou arquitectura. No total 120 cadernos foram escritos e editados por Agostinho da Silva, entre 1937 e 1944.
Foram os cadernos “O Cristianismo”, editado em 1943, e “Doutrina Cristã”, 1944, que abriram um fogo-cruzado entre Agostinho, Igreja e Estado Novo.
“Deus não exige de nós nenhum culto (…). Todos podemos ser sacerdotes, porque todos temos capacidades de Inteligência e de Amor (…) Estão ainda longe de Deus, de uma visão ampla de Deus os que fazem consistir o seu culto em palavras e ritos (…)”, lê-se numa das passagens do texto.
Mesmo exonerado, Agostinho da Silva incomodava. Depois de muitos duelos travados na imprensa com personalidades como o padre Raul Machado, da Universidade de Lisboa, ou o cardeal patriarca de Lisboa, Agostinho acaba preso na cadeia do Aljube. A sua biblioteca é confiscada e inventariada.
Brasil, à procura de uma nova liberdade
Cansado de Portugal, Agostinho parte para o Brasil, onde deu continuidade à sua “missão” de divulgador cultural. No outro lado do Atlântico, participou na fundação de universidades e centros de estudo, sobretudo fora dos centros urbanos: a Universidade Federal de Paraíba, a Federal de Santa Catarina, a Universidade de Brasília, o Centro de Estudos Africanos e Orientais da Universidade Federal da Baía.
Helena Briosa conta que Agostinho, com o seu otimismo quase desconcertante, repete muitas vezes “que o Estado Novo lhe fez um favor ao empurrá-lo para fora do país”, dando-lhe oportunidade de divulgar a língua e a cultura portuguesa em terras latino-americanas.
Numa das cartas, conta a investigadora, Agostinho faz referência a Fernando Pessoa, afirmando que se tivesse ficado em Portugal “seria provavelmente um triste e cabisbaixo cidadão sentado à mesa de qualquer café (…) pendurado no seu cigarro”.
Um abraço luso-afro-brasileiro
Um abraço entre o povo português, africano e brasileiro, foi um sonho que despertou em Agostinho desde novo. É a ideia de uma Comunidade luso-afro-brasileira, ou lusófona, que partilha no IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-brasileiros, em 1959, na universidade da Baía.
No colóquio participa Marcelo Caetano (ainda como reitor e ex-ministro). Contrariando todas as ideias em que assentava a intervenção do homem que viria a suceder a Salazar, Agostinho lança para a mesa aquilo que considera os verdadeiros problemas das colónias africanas.
“O futuro das ideias e das tradições em geral do mundo africano, a dignidade do indivíduo e a liberdade do homem, o impacto da civilização de carácter familiar sobre uma mentalidade fortemente tribal. E outro problema! Sabermos o que pensarão de nós no futuro milhões de africanos?”, questiona.
Como representante do Brasil, cuja cidadania adquiriu em 1958, esteve no Japão, em Macau e em Timor Leste. Viagens durante as quais fundou por exemplo, o Instituto de Língua e Cultura Portuguesa, em Tóquio, o Centro de estudos Ruy Cinatti e o Centro de Estudos Brasileiros, ambos Dili.
Regresso a Portugal
A chegada da ditadura ao Brasil, traz Agostinho de regresso a Portugal, em 1969. Por cá, passa pela direção do Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade Técnica de Lisboa, e foi consultor do Instituto Cultura e Língua Portuguesa (ICALP). Inicia também um grande contacto com a Galiza e com a Catalunha.
Nos últimos anos de sua vida, Agostinho da Silva tornou-se uma autêntica “estrela” nacional graças à sua participação no programa “Conversas Vadias” da RTP1.
Este avô com espírito reguila conquistou milhões de portugueses que se colavam ao ecrã para o ouvir. Um ano antes de morrer, com 87 anos e oito filhos adultos, admite, em entrevista ao jornalista da RTP Luís Machado, que “é muito raro” ler jornais. A não ser o “Público”, salienta, “mas é sobretudo por causa do Calvin”.