Por eles apelidado de “facebook da inovação”, a InoCrowd é uma plataforma de inovação aberta assente no modelo colaborativo de trabalho através de uma ampla comunidade. Contribui assim para a transferência de tecnologia de criativos, inventores e investigadores de todo o mundo com retorno económico para empresas nacionais, bem como do Brasil e Índia.
Após 15 anos de trabalho na indústria farmacêutica, o que a fez mudar para a área das tecnologias de informação?
O meu sonho como farmacêutica sempre foi um dia fazer parte da cura para o cancro ou para o VIH. Um sonho de miúda. Sempre trabalhei na área das ciências e depois passei para a indústria farmacêutica, mas sempre na área da investigação clínica. Em 2008 acabei por fazer um MBA na AESE, em que me foi pedido um plano de negócios de um projeto empreendedor. Eu e dois colegas do MBA pensámos no projeto InoCrowd.
A InoCrowd é uma plataforma tecnológica que visa colmatar um gap que existe no mundo de hoje: ligar investigadores e universidades do mundo inteiro a empresas que pretendam inovar. Quando estava a fazer o business plan e pensei no modelo de negócio da InoCrowd achei que se calhar era altura de fazer dois em um, ou seja, montar a minha própria empresa e, por outro lado, estar um pouco mais perto da minha ideia, do meu sonho.
O tema da InoCrowd acaba por ser colocar várias pessoas a trabalhar e a pensar na mesma coisa até que se consiga um resultado inovador. Através da InoCrowd vai haver uma oportunidade e já têm aparecido alguns investigadores muito bons na área do cancro e VIH, e quem sabe um dia a InoCrowd não vai fazer parte desse processo?
Trabalham sob o princípio de que os “génios podem não estar apenas dentro da nossa empresa”, por isso mesmo funcionam assentes no modelo de negócio de open innovation e crowdsourcing. Quais os maiores benefícios da adoção deste tipo de modelos?
Nesta época das tecnologias de informação, em que existem redes como o Linkedin, que ligam profissionais de todo o mundo, achámos que ligar universidades, spin-offs, incubadoras, centros tecnológicos e start-ups a empresas que necessitam dessas soluções inovadoras, era onde estava o segredo. Aquilo que percebemos é que, passados cinco anos de empresa, devido à grande rede que temos na plataforma – mais de dez mil investigadores, conseguimos arranjar soluções num período de quatro a seis semanas e temos uma taxa de sucesso de 95%.
As mais-valias são a redução de tempo (time to market), o aumento da eficiência, uma vez que apresentamos aos nossos clientes entre dez a 12 soluções para escolherem a melhor e, acima de tudo, a redução de custo porque o cliente acaba por só pagar a solução ou soluções quando nós as encontramos. Em último lugar, e muito importante, é o facto de conseguirmos arranjar soluções inovadoras cuja patente vai para o cliente – que não fica tão dependente do fornecedor. Acaba por ficar ele com o know-how do conhecimento.
Da interligação entre as empresas e as entidades, os seekers, que procuram resolver os seus problemas, os challenges, a partir dos solvers, investigadores de universidades e criativos, quais são as inovações ou soluções mais procuradas?
Essencialmente inovação de produto e de processo, operações de melhoria e otimização de processos. De áreas mais específicas, temos muitas de engenharia informática, TI, integração de sistemas; na área da engenharia mecânica e da engenharia dos materiais, da bio farmacêutica, da área química e da engenharia aeronáutica – que em Portugal começa a pedir muita ajuda.
Dessas áreas há algum caso mais significativo de sucesso?
Posso falar de dois. O primeiro grande caso de sucesso foi com a ANA Aeroportos. Gosto de falar muito neste desafio porque as próprias pessoas da empresa já não acreditavam que iríamos encontrar uma solução e a InoCrowd encontrou, através de um investigador.
A ANA Aeroportos tinha um problema há mais de 20 anos no aeroporto Francisco Sá Carneiro, em que as aeronaves aterravam e não conseguiam detetar o primeiro sinal de GPS para saber para que manga se deviam dirigir e com isto existiam imensos atrasos para as companhias de aviação. A ANA Aeroportos andava há muito tempo a trabalhar com uma equipa interna e já tinha despendido uma centena de milhares de euros. Mais preocupante era o facto de nestes 20 anos terem de alocar um budget para fazer face aos pedidos de indeminização que lhes eram pedidos.
E então colocaram o desafio na InoCrowd: perceber qual era o problema que o aeroporto tinha e como o resolver. A InoCrowd encontrou 17 soluções, das quais 50% eram nacionais e as restantes internacionais e tivemos soluções de vários tipos. A maior parte delas custava um, dois, três milhões de euros, até que há uma solução apresentada por uma Universidade Portuguesa, o Instituto de Telecomunicações. Mostraram que o custo era de zero euros. Ficámos a olhar para aquilo e a pensar que havia alguma gafe. Falámos com o investigador para ver se tinha cometido algum erro, e ele disse que não. Tinha feito o estudo e verificou que não havia nenhum problema com o satélite, nem com as antenas do avião, nem com o próprio terreno. O problema era a interferência da antena de uma fábrica que estava ao lado e bastava falar com o CEO da fábrica para desviarem a antena 30 graus. E assim ficou resolvido o problema de 20 anos com um budget de zero euros.
O outro desafio que nos honra muito termos feito parte foi o colocado pela Autoeuropa. Pediram para tentarmos encontrar uma solução que substituísse o atual ensaio destrutivo que eles tinham para avaliar a qualidade da soldadura dos carros. O ensaio fazia com que tivessem de destruir seis carroçarias por ano, o que implicava um grande custo, o fecho da fábrica durante uma semana e muitos recursos humanos. Pediram para arranjar um ensaio não destrutivo que fosse tão fidedigno como o teste que realizavam e que não fosse tão caro como os ultrassons. Colocámos o desafio na plataforma e tivemos cerca de dez soluções, sobretudo portuguesas.
Curiosamente, a solução veio de uma faculdade a dois quilómetros da Autoeuropa – a Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa e de um investigador que já tinha feito um doutoramento há dez anos na Airbus e que conseguiu encontrar um ensaio não destrutivo para as asas do avião da Airbus e pensou que poderia transportar essa solução para as carroçarias da Autoeuropa. E assim foi, fez uns ensaios e apresentou-os à Autoeuropa e neste momento está a ser implementado e até vendido entre fábricas da Volkswagen.
Na área da saúde pode identificar alguns desafios que aguardam resolução?
Apesar de já termos evoluído muito na área dos carcinomas, ainda há muita coisa para fazer. Neste momento temos muita terapêutica para prolongar o tempo de vida, com qualidade de vida, mas ainda existem carcinomas que são mortais e que não têm tratamento possível.
Por exemplo, o melanoma, que é um cancro muito letal, ainda não tem tratamento e com todo este estudo genético que já existe do ser humano, acho que se poderia avançar mais rapidamente. É necessário haver mais colaboração entre investigadores de todo o mundo, sem essa colaboração não se vai a lado nenhum.
Um outro tema que também me preocupa são algumas das doenças autoimunes. Deveria já haver alguma solução para algumas delas, ou pelo menos melhores soluções. Depois há uma fatia de doenças que grande parte da indústria farmacêutica não quer saber delas, que são as doenças raríssimas. Neste momento, chegamos a ter em Portugal cinco ou dez doentes, crianças normalmente, que sofrem dessas doenças e não há efetivamente investimento: não só estatal, como também da indústria farmacêutica para se investigar esse tipo de doenças. Essas doenças preocupam-me particularmente, porque acho que para algumas delas poderia haver melhores tratamentos.
Inicialmente a plataforma InoCrowd estava muito centrada em encont
rar as respostas para as necessidades do seekers. Neste momento já começam a inverter o ciclo e levam as inovações diretamente às empresas. Porque esta mudança de paradigma?
Quando começámos o nosso primeiro trabalho foi fazer protocolos com todas as universidades em Portugal e as melhores dos Estados Unidos, da Europa e algumas asiáticas, e quando íamos fazer essa apresentação às universidades a maior parte dos investigadores diziam-nos sempre “e se nós colocarmos as nossas soluções na plataforma e vocês forem à procura de um parceiro industrial e comercial?”.
Na altura, tínhamos o outro modelo de seekers à procura de solvers e agora temos solvers à procura de seekers. Achamos que 2016 seria o ano para, primeiro consolidar o modelo de negócio inicial, ter casos de sucesso, e depois ter alguma rentabilidade para investir no segundo modelo.
Percebemos que há uma maior apetência para este modelo de negócio. Há muitos investigadores, spin-offs, start-ups que procuram parceiros comerciais, industriais que ajudem a materializar a sua ideia.
Retomando ao nascimento da InoCrowd referiu que foi no âmbito de um MBA onde, com outros dois colegas, criaram uma ideia e chegaram a este negócio. Esse nascimento é muito semelhante ao que vemos nas atuais start-ups portuguesas. Contudo, em 2011 o panorama económico era um pouco diferente – em plena crise – e nem por isso desistiram. O que é que vos motivou a continuarem?
Acho que é um bocado teimosia, não sei! Há pessoas que me dizem que não sabem como é que nós continuamos. Tem muito que ver com a personalidade das pessoas, dos promotores.
Ouvir um “não” é difícil, mas não desistir é essencial. Passar 99% do nosso tempo a ouvir “nãos” e 1% a ouvir sim! Quando nós começamos a InoCrowd, falar de open innovation, trazer conhecimento externo para empresas que já têm conhecimento interno, era impensável. Nós não tivemos que vender a InoCrowd, primeiro tivemos que vender o conceito de open innovation e isto para nós foi sem dúvida o mais difícil. E ouvir empresas, em 2016, dizerem que esse é o caminho, para mim, particularmente, dá-me muito gozo.
A InoCrowd também esteve incubada na DNA Cascais, também concorreu a prémios e venceu alguns deles e captou algum investimento, no entanto defende que uma start-up corre sérios riscos se ficar dependente de rondas sucessivas de financiamento, porque é que tem esta opinião?
Fui participada por duas capitais de risco e acho que andarmos continuamente à procura de financiamento e de investidores tira-nos o foco e o foco tem de ser arranjar clientes, tem de estar na venda. Imagine estar numa mesa de reuniões da Assembleia Geral e ter 15 financiadores e ter de responder a cada um deles com cada umas das especificações que cada um deles pretende.
Por exemplo, se eu quisesse mudar este modelo de negócio teria de pedir autorização a 15 financiadores. Pode ter os seus benefícios, mas vai tirar objetividade ao negócio e, acima de tudo, quase me arrisco a dizer se não estaremos aqui numa “bolha especulativa de start-ups”, o que pode ser um grande risco.
Relativamente à mentoria, reconhece a importância dela, admitindo ter cinco mentores. Quando é que recorre a eles?
Recorro muito, muito frequentemente. Essencialmente quando estou quase a fechar um negócio e de repente não estou a conseguir e não sei que estratégias e ferramentas mais posso usar. Recorro a um ou outro, conforme, e conto a história: “como é que farias para conseguir fechar este negócio, que tipo de dicas me pode dar?”.
E também quando quero mudar o modelo de negócio, quando quero mudar preços, quando quero ir para outros países. Sem eles não era nada, e acho que isto vale muito dinheiro, vale mais dinheiro que o financiamento.
Mantém a convicção de que é difícil ser mulher empreendedora e ainda por cima numa área como a das TI?
Não ligo muito a isso, tento achar que somos todos iguais. Mas por acaso quando comecei a Inocrowd apercebi-me que nas áreas de TI só existiam homens e eu era a única mulher.
Acho que eles não nos levam a sério. Olham para nós, riem-se muito e às vezes é
preciso ter um perfil quase de homem e de austeridade para dizer “o facto de ser mulher não quer dizer que não possa ter um negócio na área das TI”. É preciso mostrar um bocadinho os dentes para dizer “não me trates como uma coitadinha”. É necessário haver mais mulheres em negócios de TI, sem dúvida nenhuma. Sinto-me um bocado sozinha neste mundo.
No ano passado também venceu o prémio Feminina reconhecendo o seu mérito profissional e por divulgação de Portugal e da lusofonia no âmbito do empreendedorismo e da inovação. Esse prémio também lhe trouxe mais ânimo pelo seu sucesso?
Não estava nada à espera, recebi um telefonema, e até pensei que se tinham enganado. Foi o reconhecimento de todo o meu trabalho, do meu esforço, pensei que ninguém olhava para mim. É muito importante ter este prémio, inclusivamente agora que trabalho e tento organizar alguns workshops nessa área para também ajudar empreendedoras no espaço da lusofonia a conseguirem implementar os seus negócios. Faço-o por carolice, porque me dá um gozo brutal!
Sei das dificuldades que tive e poder contribuir para algumas pessoas que me pedem ajuda, em Portugal e também na lusofonia; tem sido um trabalho muito interessante. Fora de horas, mas muito interessante.
Afirma que a vida não é só trabalho, o que é que é mais para si?
Acho que trabalho todos os dias para poder mostrar que é possível atingir o nosso sonho e realmente a família está em primeiro lugar. Trabalho muito porque gosto de trabalhar e poder contribuir para a felicidade da minha família, neste caso o meu marido, o meu filho, os meus pais, as minhas irmãs e o meu irmão.
Inovar é
Fazer melhor e ser diferente.
Virtudes de uma empreendedora
Persistência, resistência, resiliência e acima de tudo decidir com pouca informação.
Lema de vida
Ser feliz e fazer os outros felizes.
App favorita
Comecei a utilizar há pouco tempo, mas todas as manhãs vou ver. Tem a ver com pequenos investidores e empreendedores a nível mundial e que se chama Investor. É muito interessante porque fala de casos parecidos com os nossos, onde nos revemos. E é um bocado viciante até!
Hobbies
Normalmente, ao fim de semana faço paddle com o meu marido. Mas tento sempre, já agora como conselho, tirar uma hora por dia para fazer ioga ou pilates.
O conteúdo Soraya Gadit: Cofundadora e CEO InoCrowd aparece primeiro em i9 magazine.