A economia de mercado é um mecanismo eficaz de organizar os recursos escassos da sociedade, colocando-os ao serviço da satisfação das necessidades dos clientes e gerando dinâmicas virtuosas de inovação e redução de custos. No entanto, os mecanismos de mercado muitas vezes falham em gerar ganhos sociais, por fraquezas de regulação, abuso de posição dominante das empresas, ou por não incorporarem os custos dos impactos negativos na sociedade gerados pelas decisões dos agentes económicos, não respondendo assim às preocupações de muitos cidadãos e aos problemas de médio-longo prazo da sociedade.
O papel do Estado social, apesar de essencial para colmatar estas deficiências e providenciar serviços públicos, está a ficar limitado pelas restrições de financiamento, pelo envelhecimento da população, e pela própria escala e complexidade dos problemas sociais a resolver, que muitas vezes requerem processos colaborativos de inovação e modelos de governação integrada.
Para enfrentar estas dificuldades sistémicas temos um enorme potencial na sociedade que urge aproveitar. Existe uma vontade crescente dos cidadãos, com destaque para os jovens com maior nível de qualificação, de colocarem os seus conhecimentos e energia empreendedora ao serviço do bem comum. Muitas pessoas já não se contentam apenas com um emprego e o bem-estar próprio, mas querem também ter um impacto direto e positivo na vida das pessoas e na preservação ambiental.
É essa energia positiva e paixão que alimenta o empreendedorismo social. Segundo dados de 2015 do Global Entrepreneurship Monitor para Portugal, existem 4.5% de Portugueses que estão a lançar iniciativas de missão social ou estão a liderar ou gerir uma iniciativa de missão social já estabelecida. Mais de 60% destas iniciativas tem potencial de inovação. São cerca de duzentos mil empreendedores sociais cujo potencial a nossa sociedade tem que conseguir aproveitar.
Preocupados com problemas diferentes mas específicos, desde o combate à pobreza envergonhada, à redução e reaproveitamento de desperdícios alimentares, à promoção da saúde oral em segmentos desfavorecidos da população, ao desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis nas crianças, à correção de comportamentos de reincidência na criminalidade, ao apoio à inclusão de emigrantes e refugiados, para dar apenas alguns exemplos entre centenas, os empreendedores sociais desenvolvem um mecanismo descentralizado de inovação com impacto social, corrigindo falhas de mercado e reorientando a atenção de políticas públicas para novas soluções em áreas até então negligenciadas.
Tal como os empreendedores comerciais, muitos empreendedores sociais irão falhar nos seus esforços e outros criarão iniciativas que ficarão locais e de pequena dimensão. Mas se um em cada cem tiver potencial de crescer e gerar impacto em maior escala, estamos a falar de duas mil iniciativas de inovação social com elevado potencial de impacto em Portugal, algumas com potencial de replicação internacional, gerando emprego e competitividade para a economia, para além dos benefícios sociais diretos da sua atividades. Tornar este potencial em realidade requer um ecossistema eficaz de apoio à inovação social e requer também modelos de financiamento adequados às iniciativas sociais com maior potencial de impacto. Esta é a missão da Portugal Inovação Social.
A iniciativa Portugal Inovação Social é a corporização de uma política pública pioneira lançada em 2015 no âmbito do Portugal 2020 para dinamizar a inovação social e desenvolver o setor de investimento social, de forma a trazer mais recursos e competências para o financiamento da inovação social.
A iniciativa vai mobilizar 150 milhões de euros do Fundo Social Europeu no âmbito do Portugal 2020, para desenvolver um conjunto de instrumentos de financiamento que acompanhem o ciclo de vida das iniciativas de inovação e empreendedorismo social, nomeadamente:
– um programa de capacitação para o investimento social que visa reforçar o potencial e qualidade da gestão das iniciativas para que consigam gerar mais impacto e atrair financiamento. Este programa será lançado no início de 2017, tem uma dotação de 15 milhões euros e permitirá financiar em até 50 mil euros os custos de intervenções de capacitação.
– um programa de Parcerias para o Impacto que visa cofinanciar investimentos filantrópicos em iniciativas de inovação social que apresentem um plano de desenvolvimento até 3 anos. O programa tem uma dotação de 20 milhões de euros e requer financiamento de investidores sociais no mínimo de 30% das necessidades de financiamento dos projetos, alocando um máximo de 70% de financiamento do Portugal 2020. Um primeiro concurso para 7 milhões de euros já foi lançado e fechou a 31 de Outubro de 2016, tendo recebido candidaturas de 50 iniciativas, pedindo 8.6 milhões de financiamento e trazendo já assegurados 4.2 milhões de investimento social. Os projetos serão analisados até ao final do ano.
– um programa de Títulos de impacto Social (TIS), com uma dotação de 20 milhões de euros, que visa financiar iniciativas capazes de apresentar resultados concretos e validados em áreas de política pública. As candidaturas são feitas em parceria entre entidades implementadores, investidores sociais e entidades de política pública. Os investidores sociais asseguram o financiamento das intervenções e receberão o reembolso integral do seu financiamento mediante a comprovação da obtenção dos resultados contratualizados. Este é um modelo de financiamento que permite um efetivo pagamento por resultados. Estão candidaturas abertas até 28 de Novembro para 3.5 milhões de financiamento em TIS.
– um Fundo para a Inovação Social (FIS) com uma dotação de 95 milhões de euros que visa cofinanciar o investimento social realizado por intermediários financeiros (bancos, capitais de risco e business angels) em iniciativas de impacto social. As candidaturas a financiamento serão feitas diretamente junto dos intermediários financeiros, os quais têm assim incentivos a dinamizar a procurar e selecionar os melhores projetos a financiar. O montante total de financiamento para a inovação social será superior à dotação de 95 milhões do Portugal 2020, pois os intermediários financeiros colocarão também o seu próprio capital. As candidaturas para os intermediários financeiros deverão ser lançadas no 1º semestre de 2017.
A estratégia de atuação da Portugal Inovação Social é encorajar o envolvimento de agentes privados para financiar a inovação social, quer seja numa lógica filantrópica, quer seja numa lógica de investimento. Procura-se também alinhar o financiamento concedido com uma verdadeira orientação para resultados. Esta estratégia visa aumentar a sustentabilidade de atuação da política pública, encorajando o investimento privado.
Segundo o Social Innovation Index 2016, recentemente publicado pelo The Economist, Portugal está em 22º no ranking mundial do ecossistema de inovação social e é um dos sete únicos países do mundo com uma política integrada de apoio à inovação social em implementação. A Portugal Inovação Social é assim uma iniciativa pioneira que a Comissão Europeia está a acompanhar com muita atenção dado o seu potencial de replicação para outros países.
Contamos que esta iniciativa seja um sinal para o reforço do envolvimento dos agentes da sociedade – fundações, misericórdias, outras entidades da economia social, empresas, autoridades locais e setoriais – preocupados com a nossa prosperidade coletiva e sustentabilidade. O lançamento recente de iniciativas pioneiras por parte da sociedade civil – novas incubadoras sociais, aceleradoras de projetos de impacto, programas de formação em empreendedorismo social, prémios de inovação social, projetos de medição de impacto, desenvolvimento de pilotos de investimento social, lançamento de portais de financiamento, e criação de redes de partilha de experiencias entre empreendedores sociais, são evidência de que um verdadeiro ecossistema de inovação social começa a ganhar forma em Portugal. Os beneficiários diretos desse ecossistema são os empreendedores e inovadores que querem usar a sua paixão e conhecimento para transformar o mundo para melhor. E através desta ação empreendedora beneficiaremos todos nós.
Nota: o Professor Filipe Almeida assumiu a 3 de Novembro de 2016 a presidência da Portugal Inovação Social. Após o lançamento da iniciativa e abertura dos primeiros instrumentos de financiamento, regressou à sua carreira académica para lançar uma cátedra de empreendedorismo social na Católica – Lisbon School of Business & Economics
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