O momento que Portugal, a Europa e o mundo vivem é de uma mudança acelerada, quase vertiginosa. Hoje, estes conceitos de inovação, diferenciação e empreendedorismo são fulcrais para o desenvolvimento sustentado das economias e das sociedades, em qualquer continente, e estão longe de ser uma tendência que passa.
Não se trata, portanto, de um epifenómeno que poderá esmorecer quando se desligarem as luzes das câmaras de TV ou das máquinas fotográficas ou das câmaras dos telemóveis e tablets. Podemos estar perante eventos de escala internacional como o Web Summit e, mesmo assim, haverá sempre pessoas a garantir que tudo isto é passageiro porque os problemas estruturais existem na mesma e não mudaram, só porque o Paddy Cosgrave decidiu mudar este evento das startups tecnológicas de Dublin para Lisboa.
Na verdade, temos problemas graves na estrutura macroeconómica e no sistema financeiro em Portugal e na Europa que não desaparecem por artes mágicas, por muito que este ou outro qualquer governo ou entidade desejassem. Mas a questão aqui é saber do que estamos a falar quando abordamos, no ano da graça de 2016, os conceitos de inovação, diferenciação, investimento, empreendedorismo, crescimento e confiança.
Em primeiro lugar, a Inovação é um tema em que os portugueses, nos mais diversos negócios, estão à vontade há longos anos, apesar de reconhecermos que a mentalidade de resistência à mudança ainda impera nalgumas cabeças, mas não é um problema unicamente português. A inovação é um assunto universal e transversal a todos os negócios e a todas as áreas do saber.
Todavia, o “mindset” é determinante: quem não tiver a mente aberta para mudar e pensar ou agir de forma diferente ou não tiver a agilidade para se adaptar aos tempos de mudança, decerto terá dificuldades acrescidas para viver e aproveitar as oportunidades geradas por um mundo novo – que é não apenas do reino inatingível das tecnologias e dos jovens empreendedores dos openspaces e que criam apps da noite para o dia.
Em segundo lugar, assumida a universalidade e a transversalidade do conceito e do acto, a Inovação existe em tudo; isto é, não se trata apenas de uma questão de tecnologia (o que poderia ser meramente processual ou instrumental), é também um tema de atitude na liderança das organizações ao nível dos processos de Gestão e da forma como se gerem os recursos, em especial os talentos. Inovar é, no mundo real das empresas e das famílias, algo tão simples como ter uma ideia ou uma resposta diferente para um problema novo. Numa segunda fase, a questão está na aplicação ou execução dessa ideia, por mais brilhante que ela seja. E aí, por vezes, a ideia fica-se pelo papel ou no pc ou no ipad; basta lembrar a elevada taxa de mortalidade das startups em todo o mundo.
Ora, aqui não se trata de recordar manuais de Gestão ou de Engenharia e Tecnologia. Basta lembrarmo-nos de dois filósofos: Platão e a sua Alegoria da Caverna, em “A República”, para sabermos ver – o que nem sempre é fácil – a diferença entre a ideia original ou a essência e os arquétipos ou as sombras projectadas através da fogueira da caverna. Se quisermos saltar do famoso diálogo entre os gregos Sócrates e Glauco, no século IV a.C, até ao século XVII, na mesma busca incessante da “Verdade” ou de uma ideia nova para os problemas da Polis, encontramos o filósofo francês René Descartes e o seu Discurso do Método. E aqui apercebemo-nos da importância das ideias claras e distintas, que devem ser “ordenadas” através da “dúvida metódica”. Portanto, podemos ter ideias (ou a percepção delas), mas precisamos de um método para lhes dar utilidade prática… e confiar nelas.
Chegados a este ponto, no século XXI, a questão estará mais na velocidade do tratamento ou da filtragem de tantas ideias supostamente novas. A quantidade de informação (data) e de inovações é tal que o assunto passa a ser mais do domínio do registo da propriedade intelectual ou das patentes.
Mas, na verdade, de pouco adianta registar a patente de uma ideia se demorarmos muito (meses, semanas ou até dias) a executá-la. Logo, aquilo que é determinante é fazer acontecer essa inovação e isso tem mais a ver com a capacidade de gestão e a ousadia para empreender, correndo riscos e superando obstáculos.
Em suma, já não trata tanto da lógica da ideia (“penso, logo existo”, para recordar Descartes), mas sim do conceito de resiliência que temos em nós ou nas nossas organizações para que a nossa ideia seja a que melhor se adequa à resolução de um determinado problema. E aqui entra outro conceito que é o da diferenciação, essencial para que o nosso produto, bem ou serviço seja o mais atractivo e lucrativo num determinado sector, segmento ou nicho de negócio – porque essa diferenciação e inovação vale mais se representar, de facto, uma subida na cadeia de valor, esteja eu em Portugal ou noutro qualquer país do mundo.
O desafio da Inovação e da Diferenciação, em Portugal, é, sobretudo, uma questão de mindset:
a) não somos os calimeros ou os patinhos-feios da Europa e devemos perceber isso de uma vez por todas porque temos N casos de sucesso em todas as áreas da economia, ciência e artes ou desportos que demonstram que, quando estamos focados e criamos as condições certas, somos tão bons ou melhores do que os outros, pelo que o problema se coloca mais do lado da qualidade da Gestão e menos na qualidade e vontade dos talentos, como venho escrevendo e dizendo há vários anos;
b) as empresas, universidades, politécnicos, incubadoras, aceleradoras, associações patronais nacionais ou regionais e as entidades municipais de apoio às startups devem perceber que é tempo de se unirem e funcionarem mais em rede, em vez de ficarem agarradas a divisões estéreis ou a capelinhas e quintinhas sem sentido, com venho defendendo há mais de duas décadas. É urgente promover, de forma sustentada – e não ao sabor das marés políticas ou dos fundos comunitários -, esta nova atitude contagiante de empresários (de vários idades, regiões e formações) que visa a criação de empresas ou projectos, com inovação e diferenciação, num país com custos de contexto tão adversos como Portugal. Lembram-se da ideia de cluster de que falava Michael Porter? Óptimo! Então é só aplicar, depois de tantos anos de oportunidades perdidas… Mas, nesse campo das sinergias, há já vários bons exemplos de articulação e funcionamento em parceria, até porque a necessidade dos últimos largos anos de crise aguçou o engenho de quem empreende e investe.
C) A realização de uma cimeira de empresas tecnológicas (e startups de várias áreas da economia) em Lisboa, este ano e nos próximos, é uma oportunidade para dizermos a quem vem a Portugal que é bem-vindo e agradecermos por olharem para o nosso potencial de crescimento. A Web Summit é, acima de tudo uma onda que vale a surfar; é o canhão da Nazaré que sempre esteve lá até um surfista de renome mundial (McNamara) bater um recorde que foi visto nas televisões e redes todos em todos os continentes. E Peniche passou a ser pronunciado (em inglês ou noutras línguas…) em todo o mundo e Portugal passou a estar na rota do surf mundial.
Ora, se os nossos kayaks são os melhores e equipam, há longos anos, mais de 80% das equipas olímpicas; se os nossos vinho e azeite são cada vez mais premiados e procurados; se as nossas cidades, aldeias, monumentos, museus e paisagens são cada mais um must para os turistas de todas as origens; se as nossas exportações de maquinaria, sapatos, têxteis ou cortiça têm um peso crescente na criação de riqueza em Portugal; se os nossos engenheiros e as nossas enfermeiras têm tanta procura; então, vale a pena ultrapassar o problema crónico lusitano de autoestima. Se os outros gostam de nós e do que fazemos na nossa terra e nós estamos sempre em queixume, então somos capazes de ter um problema do foro da psicossociologia que temos de enfrentar e tratar.
Vivemos um momento de viragem após década e meia de estagnação. Não se trata de acreditar que os fundos do Portugal 2020 vêm resolver problemas estruturais ou de medir efeitos pontuais de um Orçamento do Estado, que é sempre um instrumento meramente operacional para um ano. Trata-se, sim, de pensar o país, pelo menos, para 2030 – e não numa lógica de curto prazo e de ciclos político-partidários.
Temos de crescer mas de 2% ou 3% ao ano, para que haja crescimento sustentado, emprego e maior distribuição da riqueza; caso contrário, a economia continuará a perder competitividade e a pouca riqueza gerada no país servirá apenas para amortizar juros da dívida – a pública e também a externa, que é bem maior e mais difícil de pagar.
Este é o momento de reflectirmos – sem fantasmas do passado, nem complexos de inferioridade ou megalomanias – sobre a notoriedade e reputação da imagem de Portugal. No fundo, estamos onde sempre estivemos: não na periferia, mas sim no centro do mundo, numa plataforma onde negócios e culturas se cruzam entre continentes e onde é bom viver. Como em tudo na vida, é uma questão de perspectiva, mentalidade e atitude de abertura à mudança e ao espírito de criar – que existe em cada startup e em muitos de nós, Portugueses.
* Artigo escrito segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990
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