por Catarina Bouca
Enano considera-se um artista de rua, palhaço de profissão, ativista e revolucionário. Nasceu em 1974, em Cádiz (Espanha), no ano da Revolução dos Cravos e da morte do ditador Franco, o que pode ter influenciado o seu caminho: “Em jovem eu queria ser Che Guevara, mudar o mundo, sou uma pessoa inquieta por natureza”.
No sábado passado, o artista atuou em Vila Nova de Mil Fontes. Era noite de lua cheia e de tourada na vila alentejana. No largo em frente ao Forte de São Clemente, santo consagrado às causas do mar, o “palhaço ativista” fez a sua própria “tourada”. Rodeado de crianças sentadas no chão, Enano, vai soltando mensagens de cariz político e provocador. No meio da atuação surpreende ao dizer: “Neste momento, Israel está a bombardear Gaza”.
No final do espetáculo o “palhaço ativista” lança mais uma provocação, desta vez dirigida ao público: “A mim, a Câmara de Odemira não me paga nada, portanto faça o favor de me pagar porque eu sou um artista de rua, uma profissão tão digna como a sua, estou aqui para o entreter, e se não fosse eu não teria nada para fazer a esta hora nesta terra”.
Reivindicar através da arte
Enano não tem papas na língua e, conforme a atuação vai avançando, o tom de protesto aumenta, ao ponto de deixar alguns elementos da plateia incomodada. Mas esta é a sua missão, porque, para si, “a arte é o melhor instrumento de reivindicação política, social, filosófica e até espiritual”.
Enano lançou-se na “técnica de ‘clown’ (palhaço)“ no Porto 2001 Capital da Cultura, onde foi escolhido para participar no espetáculo “Quiero-Quiero”, no Rivoli. A partir daí começou a participar em festivais de teatro de rua, um pouco por todo o mundo. Enano chegou há três semanas doArchangelsk International Street Theatre Festival, na Rússia, e parte já em setembro para o Festival do Mindelo, em Cabo-Verde. Em Novembro, estará no México, no Festival de la Familia.
Grécia, Singapura, Malásia, Marrocos, Arménia, Macedónia, Kosovo foram alguns dos países por onde Enano passou, às vezes contratado para participar em festivais de teatro de rua. Noutras ocasiões vai sozinho apresentando os seus números e passando o chapéu no final do espetáculo.
De “palhaço ativista” a doutor de nariz verde
Há nove anos, Enano resolveu alargar a sua atividade aos hospitais e começou a montar espetáculos para crianças doentes. Desta iniciativa surgiu pela sua mão, em 2008, uma associação de doutores palhaços, a Remédios do Riso. “Somos os únicos que temos nariz verde”, conta. “Escolhemos o verde porque é sinal de esperança”.
Esta terça-feira, vai estar no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, junto dos doentes oncológicos. “Está verificado cientificamente que quando rimos libertamos endorfinas e dopaminas que fazem com que fiquemos com mais saúde tanto a nível físico como psicológico”, salienta. Na quarta-feira, estará no Hospital do Espírito Santo, em Évora, a espalhar sorrisos pelas enfermarias.
Enano também é formador. Organiza cursos de doutor palhaço para o pessoal que trabalha nos hospitais. Quando questionado sobre se é pago pelo Estado para orientar as formações, a resposta é certeira: “O Estado não paga nada! Somos nós que oferecemos o serviço ao hospital”.
“O palhaço tem uma função social muito importante que não pode ser esquecida”, defende Enano. É com este espírito que ao longo da sua carreira tem levado o riso às prisões, às crianças órfãs e aos doentes mentais. Não esquece o espetáculo que fez em 2012, no Kosovo, para crianças vítimas da guerra. Da mesma forma que revela, com orgulho, que recentemente atuou num hospital psiquiátrico, na Russia.
Enano vestido de cupido, num espetáculo de rua, na Noruega, em 2011
Aos 40 anos, Enano já recebeu prémios na Suíça, na Rússia e em Espanha e a sua arte tem sido tema de artigos de jornais internacionais.
Enano, um clown que carrega tristeza dentro de si
“Todo o palhaço é um pouco triste”, é o que se diz às crianças. E Enano não é exceção ou não seria um ‘clown’. “Ser palhaço é uma realidade muito complexa”, confessa. O artista conta que em criança era um “gago extremo”. Foi o teatro que operou o milagre de lhe tirar a gaguez. A esta arte também agradece o facto de lhe ter dado auto-estima.
No final da atuação, Enano mostra a sua “caixinha da magia”, onde guarda os 'aplausos' (ou elogios) escritos, e convida o público a deixar também o seu testemunho.
Depois, olha para o céu e diz: “Este espetáculo é para o meu pai, que Deus me tirou no ano passado, o que ainda não lhe perdoei”. E continua de olhos postos na lua cheia: “O meu pai ensinou-me: ‘tudo o que faças que seja com prazer, alegria e arte’”. Uma regra que Enano leva a letra e que, até agora, tem sido um sucesso.
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