A preocupação de um cidadão indignado com as refeições em bom estado que Portugal deita para o lixo deu origem, em Abril deste ano, ao movimento Zero Desperdício. Em cerca de nove meses, o movimento já recolheu e redistribuiu mais de 72.000 refeições que, de outra forma, teriam sido desperdiçadas.
por Patrícia Maia
Graças ao movimento Zero Desperdício mais de três mil pessoas recebem, diariamente, refeições recolhidas em cerca de 100 restaurantes, cantinas, hotéis, supermercados e outras entidades que aderiram à causa.
António Costa Pereira, de 48 anos e piloto de linha aérea, foi o grande impulsionador desta iniciativa. Inconformado com a quantidade de comida que, todos os dias, vai para ao caixote de lixo, ao mesmo tempo que milhares de pessoas passam fome, António Costa Pereira lançou, em Julho de 2010, uma petição online contra a Lei de Saúde Pública que tornava difícil contornar este desperdício.
Neste momento, até os refeitórios e o restaurante da Assembleia da República já integram este movimento dando aquilo que António Costa Pereira considera um “excelente exemplo institucional”.
A petição, que conta com mais de 71 mil assinaturas sendo o segundo documento com mais subscritores da plataforma Petição Pública (logo depois da petição que pede a redução de deputados na assembleia da república), conseguiu o seu principal objetivo: chamar a atenção dos cidadãos e das entidades públicas e privadas para o problema do desperdício alimentar.
Reinterpretação da lei permite evitar desperdícios
A maior conquista da Dariacordar – a associação criada em 2011 para lançar o movimento Zero Desperdício – foi ter conseguido o apoio da ASAE para reinterpretar a Lei da Saúde Pública que proibia a doação e redistribuição de refeições alegadamente por questões sanitárias ao nível do transporte.
Graças à pressão da Dariacordar, Portugal deu um passo fundamental para combater este desperdício: a ASAE e a ALICONTROL (uma empresa de Segurança Alimentar) fizeram uma “reinterpretação da lei e criaram uma lista 'procedimentos e boas práticas' para garantir que estas refeições são transportadas de forma segura”, explica o presidente da associação.
Na realidade, o modo como funciona o Zero Desperdício é tão simples que até nos questionamos como é que não foi implementado mais cedo. “Seguimos o princípio de não desperdiçar os meios já existentes”, explica António Costa Pereira. “Lançámos a causa, trouxemos uma solução legal e protocolámos com quem pode doar, ou seja, criámos o Modelo Municipal de Funcionamento”, resume o responsável.
Aquilo que o movimento Zero Desperdício faz é juntar os pontos entre elementos que já existem, criando uma imensa rede de solidariedade: os municípios apontam as pessoas necessitadas e as instituições sociais (por exemplo os centros paroquiais, as IPSSs, as Misericórdias) fazem a recolha e a distribuição das refeições com voluntários e carrinhas devidamente equipadas.
Apoio ao movimento é exponencial e transversal
O movimento conta já com mais de 100 entidades dadoras de refeições mas António Costa Pereira explica que “semanalmente vão chegando novos parceiros pelo que este número tem estado sempre a aumentar”. Entre as refeições mais doadas estão “as chamadas refeições principais de carne ou peixe, assim como sopa”.
Além do apoio dos municípios, das entidades dadoras e dos parceiros sociais, a Zero Desperdício conta com o Alto Patrocínio da Presidência da República. Teve também a colaboração de mais de 50 artistas que cantaram o Hino Acordar (com música de João Gil e letra de Tim) “o que simboliza bem a transversalidade do movimento”, explica António Costa Pereira.
Tendo em conta que o Parlamento Europeu avançou com a proposta de se assinalar, em 2014, o Ano Europeu Contra o Desperdício Alimentar, António Costa Pereira Pereira considera que Portugal fará muito “boa figura” ao apostar em “projetos sociais sustentáveis e inovadores, sem dinheiro envolvido e que podem ser replicados em outros países”, apontando, além do Zero Desperdício, o exemplo de iniciativas como a Refood e a Cozinha com Alma, em Cascais.
O responsável salienta que trabalhar neste movimento tem sido muito gratificante, sobretudo “pela oportunidade de poder mostrar à sociedade que é possível juntar, em torno de uma causa, cidadãos, empresas, artistas, organizações locais, escolas, universidades e outras entidades com o objetivo de alcançar um bem comum”.
Segundo a Dariacordar, cerca de 360 mil pessoas passam fome no nosso país, enquanto perto de 50 mil refeições são desperdiçadas todos os dias, em todo o território nacional. Muitas destas refeições que, anteriormente, acabavam no lixo são agora encaminhadas para quem precisa.
Por enquanto, o movimento ainda só trabalha nas zonas de Lisboa, Cascais, Sintra e Loures mas deverá, em breve, ser alargado a outros municípios. O objetivo será chegar a todo o território nacional para que, de acordo com o mote do movimento, “Portugal não se dê ao lixo”.
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