Em Destaque Sociedade

O saber e habilidade do tirador de cortiça

Atualmente a cortiça é utilizada, inteligentemente, em muitos produtos de design como é o caso da Likecork que combina a cortiça com a cerâmica, ou As Portuguesas, as primeiras chinelas no mundo a utilizarem cortiça como a principal matéria-prima.
Versão para impressão

 

É de Maio a final de Agosto, altura mais activa para o crescimento da cortiça, que o descortiçamento se realiza. A cortiça é uma matéria-prima de características únicas que, para ser extraída, precisa de grande engenho e perícia do descortiçador.

Por ser uma arte ancestral e muito presente no interior Algarvio, o Mar d’Estórias foi perceber o saber e a habilidade necessários para tirar cortiça de um sobreiro. Fomos até ao Reguengo, perto do Rogil, onde falamos com o mestre António Campos, mais conhecido por António da Espantadiça, que nos recebeu com a calma e simpatia que o caracterizam.

António explicou-nos que são preciso 25 anos até que um sobreiro comece a produzir cortiça, sendo o primeiro descortiçamento designado de “desbóia”. Esta primeira cortiça tem pouco valor comercial por ser irregular e difícil de trabalhar, por isso, destina-se à produção de pavimentos e isolamentos. A denominada “cortiça virgem” é, por isso, moída para diversos usos.

Nove anos depois, tira-se, pela segunda vez, cortiça do sobreiro (“cortiça secundeira”), esta é de composição mais regular e textura menos dura, no entanto continua a ser destinada para outros fins que não a produção de rolha.

Aos 43 anos a “cortiça amadia” é extraída e tem as propriedades ideais para produção de rolhas de qualidade – de composição regular e lisa. A partir daí, o sobreiro fornecerá, de 9 em 9 anos, cortiça de boa qualidade durante mais de 150 anos (18 -20 descortiçamentos durante toda a vida da árvore).

António da Espantadiça contou-nos que começou a carregar cortiça há cerca de 40 anos e só após 2 a carregar é que começou a tirar a matéria-prima do sobreiro: “Comecei por carregar a cortiça. Depois de algum tempo o tirador disse-me para eu ir tirar o pé do sobreiro (a base do tronco – também conhecido por sapata). Como viu que tinha jeito, e como precisavam de mais pessoas, disse-me para começar a tirar.”

Regra geral trabalham com uma “jolda” (grupo de pessoas a trabalhar na cortiça) de 3 ou 4 pessoas. No mínimo são necessários um tirador e um carregador, no entanto, o ideal são 6 ou 7 homens para que o trabalho de 8 horas seja eficaz.

António explica que “o dia começa às 8h da manhã – fazem-se 8 – 9h, mas há joldas que fazem 10h de trabalho.” O tirador precisa de um machado e o carregador de “um baraço e uma enxerga” (uma espécie de almofada para que a cortiça não lhe magoe as costas). Para além disso, “leva-se 2 buchas – uma antes do meio dia e outra para o almoço”, para dar sustento ao árduo trabalho físico.

O descortiçamento tem 6 fases:

  1. Abrir– Com o machado, golpeia-se a cortiça verticalmente e torce-se o gume do instrumento para separar a prancha de cortiça do entrecasco.
  2. Separar– Em seguida, com a cunha do machado, separa-se a barriga da prancha do entrecasco.
  3. Traçar– para delimitar o tamanho da prancha traça-se a cortiça horizontalmente.
  4. Extrair– a prancha é cuidadosamente retirada para que saia inteira, pois tem mais valor comercial.
  5. Descalçar– “Descalça-se a sapata do pé do sobreiro”, ou seja, retira-se os fragmentos da cortiça que se encontram junto à base do tronco do sobreiro.
  6. Marcação– depois de toda a cortiça retirada, marca-se a árvore com o último algarismo do ano da extração.

Está no saber do tirador de perceber se a cortiça tem espessura suficiente para ser retirada e de não danificar a árvore com a extração. Para além disso, o descortiçador tem de atestar a saúde dos sobreiros: “Existem árvores que vão criando uns choros – começam a resumir água na cortiça. Quando isso acontece, a cortiça não descola daquele sítio de onde escorre água. E se nós forçarmos, e a cortiça descolar, leva o casco atrás e a árvore perde-se. Se nos apercebermos não tiramos a cortiça daquele sítio para não matar a sobreira”, afirma o mestre.

Após o descortiçamento, as pranchas são empilhadas e repousam durante um mês antes de serem comercializadas, para maturar e estabilizar a cortiça: “só pode ser pesada um mês depois de tirada. Tem de secar um mês, pois está verde e pesa muito”, menciona António.

Temos de agradecer todo o esforço destes especialistas, pois não há no mundo nenhum material como a cortiça. É um produto de excelente isolamento térmico e acústico, impermeável, de grande resistência ao fogo e a altas temperaturas, hipoalergénico, de excelente elasticidade, confortável e ecológico.

Atualmente a cortiça é utilizada, inteligentemente, em muitos produtos de design na loja do Mar d’Estórias, como é o caso da Likecork que combina a cortiça com a cerâmica, ou As Portuguesas, as primeiras chinelas no mundo a utilizarem cortiça como a principal matéria-prima.

 

Fonte: Mar d’Estórias

 

Comentários

comentários

PUB

Live Facebook

Correio do Leitor

Mais recentes

Passatempos

Subscreva a nossa Newsletter!

Receba notícias atualizadas no seu email!
* obrigatório

Pub

Este site utiliza cookies. Ao navegar no site estará a consentir a sua utilização. Saiba mais aqui.

The cookie settings on this website are set to "allow cookies" to give you the best browsing experience possible. If you continue to use this website without changing your cookie settings or you click "Accept" below then you are consenting to this.

Close