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O mundo das lusofonias

O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas celebra-se no dia 10 de Junho, mas a lusofonia é um sentimento vivido a tempo inteiro, por todos os que cá e lá vão divulgando e construindo a sua cultura. E num mundo cada vez mais global, a
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O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas celebra-se no dia 10 de Junho, mas a lusofonia é um sentimento vivido a tempo inteiro, por todos os que cá e lá vão divulgando e construindo a sua cultura. E num mundo cada vez mais global, as várias “lusofonias” esforçam-se por manter a sua identidade no seio de uma família comum, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Será a comunhão possível sem comprometer os valores fundadores de cada nação? Será a unidade linguística uma das tábuas de salvação do património lusófono?

Hoje, como sempre, a cultura de um país valoriza-se a cada novo membro que acolhe. Para o povo português, esta é uma verdade com mais de cinco séculos de vida. A era dos Grandes Descobrimentos já lá vai, pelo menos a que é contada nos sonetos de Camões, com naus e caravelas como pano de fundo. Atualmente, a grande jornada é interior. Que identidade é a nossa?

Embora só tenha saído de Angola aos 18 anos para estudar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Portugal era já para Aline Frazão [na foto] “uma segunda casa”. Deslocou-se para a capital portuguesa por reconhecer-lhe uma “aura de mistura cultural”, já familiar pelas suas origens fundadas um pouco por toda a comunidade lusófona – não só Angola e Portugal, mas também Brasil e Cabo Verde.

Agora com 22 anos, já se sente mais à vontade sendo, simultaneamente, uma cidadã do mundo e uma filha da lusofonia: “Hoje vejo como natural que a minha identidade angolana seja ao mesmo tempo africana, ao mesmo tempo lusófona, ao mesmo tempo cidadã deste mundo. Mas creio que, para que seja mais real essa identidade lusófona em que falamos, deve existir uma comunicação mais autêntica entre as várias comunidades”.
 
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É isso que Aline leva na voz em todos os concertos que tem dado em Espanha, onde reside atualmente: “É importante que todos nos comecemos a conhecer melhor – Angola, Galiza, Portugal, Brasil… Como cantora sinto-me parte disso e levo comigo todas essas influências e essa imensa vontade de cantar a lusofonia em que acredito. É algo que sempre refiro nos concertos em Madrid, principalmente em relação à palavra “saudade”, tão lusófona e tantas vezes presente nas nossas canções, desde a bossa ao fado”.

Pós 25 abril: Uma lusofonia “sem mágoas”

Aline é também membro da primeira organização sem fins lucrativos constituída por jovens provenientes da CPLP, espalhados pelos quatro continentes – a Conexão Lusófona. Relembrando os atuais 244 milhões de falantes de língua portuguesa no mundo – com taxas de crescimento que evoluirão, segundo a ONU, em cerca de 44% até 2050 -, a organização promove projetos “que envolvam a juventude e promovam a interculturalidade e a troca de conhecimento no espaço da língua portuguesa”, como refere na sua apresentação.

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A jovem associação estabelecida em 2010 reconhece a existência e, simultaneamente, inclui-se nesta geração de transição, “a primeira geração livre das mágoas e dos traumas de guerras e independências coloniais”.

E porque a memória é traiçoeira e “o pensamento e a reflexão lusófona” é ainda considerado “um assunto de elites políticas e culturais”, a Conexão Lusófona surge para mostrar que o jovem lusófono “conhece e acompanha a sua cultura de origem e as restantes culturas de língua portuguesa” e não “um mero espetador dessas sociedades; pelo contrário, intervém nela (…) sente-se responsável pela sua mudança e pela sua melhoria”.

Assumindo-se como um movimento independente de qualquer instituição estatal ou partido político, a Conexão Lusófona pretende servir como uma plataforma de encontros que se traduz nos mais diversos projetos culturais.

Ligada à Internet e às redes sociais, a associação conta com um núcleo ativo de gestão sedeado em Lisboa, para promover o intercâmbio entre jovens voluntários lusófonos e a criação intelectual e artística coletiva, em constante diálogo com os cidadãos.

Os membros da Conexão Lusófona sublinham que “apesar da crescente relevância na cena internacional, a CPLP ainda se encontra aquém do seu potencial no que diz respeito à adesão a um sentimento de pertença a um espaço linguístico comum”. Será o novo Acordo Ortográfico mais uma ferramenta para uma verdadeira união dos países da CPLP?

A união pela língua

As tentativas de convergência das ortografias de Portugal e do Brasil já remontam ao início do século XX, tendo a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras realizado diversos encontros no sentido de uniformizar os seus vocabulários.

Contudo, só em 1990 foi assinado o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa pelos representantes oficiais dos então sete Estados-membro da CPLP. Em 2004, Timor-Leste adere ao Acordo Ortográfico que só muito recentemente entrou em vigor no Brasil (2009) e em Portugal (2010).

E se a discórdia é muita entre os cidadãos dos vários países envolvidos e, também muito particularmente, entre os meios de comunicação social, a discussão sobre o Acordo e as suas implicações no âmbito da CPLP não tem sido mais pacífica entre a comunidade literária.

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Há ano e meio que o escritor Francisco José Viegas adota as regras do Acordo na coluna diária que assina no Correio da Manhã. “Não são mudanças muito substantivas”, explica ao Boas Notícias, “afetarão cerca de dois por cento do português escrito”.

Ressalvando que o Acordo “não responde a esse tipo de mudança linguística, que aos poucos vai entrando nos dicionários – mas apenas à ortografia da língua portuguesa tendo em conta o lugar de destaque do Brasil e a chegada de novos falantes africanos”, Francisco José Viegas crê que a uniformização da ortografia terá “vantagens na internet, onde o Português de Portugal vai deixar de ser discriminado ou até ignorado”.

Mas não nos cabe a nós preservar o que é único na nossa cultura – e a Língua, como parte dela? “Acho curioso que, de repente, se fale de preservar ´as nossas coisas` num país que tem destruído o seu património, as suas cidades, a sua paisagem. É como se, de repente, toda a gente descobrisse uma enorme virtude na conservação dos valores, das raízes, dos costumes e tradições”, afirma José Viegas.

“Cabe-nos preservar a nossa cultura, com certeza. Mas pergunte como é possível fazer-se isso se há alunos que chegam à universidade sem terem lido mais do que meia dúzia de livros – um estudo da Universidade de Coimbra revelou que a média anual de livros lidos por um aluno universitário se aproxima perigosamente de 0,80. Nem um livro por aluno. Este é que é o retrato”, acrescenta.

Aline apoia, também, o Acordo Ortográfico: “Para mim o conceito de Lusofonia vem num primeiro momento da própria língua: o português. Uma língua em comum é uma situação incrivelmente “aproximadora”.

Desacordos sobre o Acordo Ortográfico

Já o ex-eurodeputado e também escritor Vasco Graça Moura considera que o Acordo não tem força legal: “Sempre deveria ter-se por inconstitucional promover a entrada em vigor de um acordo internacional num país quando ele não está em vigor nalgum ou nalguns dos outros que também o subscreveram: não pode considerar-se que esteja em vigor no plano internacional e portanto também não o está no plano interno de qualquer desses países”.

Para o escritor, o Acordo acarreta “perigos culturais evidentes para todos os países que falam português, fora o Brasil: aviltamento da língua, erros de pronúncia, confusão generalizada por falta de regras, omissões escandalosas como a de regras para grafar vocábulos das línguas africanas que se incorporem na língua portuguesa”. Por isso, é a favor de “denunciar imediatamente o AO ou então, pelo menos, travar as veleidades da sua aplicação imediata, promovendo-se uma revisão de fundo do documento, feita pelos oito países que falam português”.

Também no Brasil há quem seja contra. A antologia Desacordo Ortográfico, editada pela Não Editora, reúne os textos de diversos escritores para os quais “a ideia do Acordo Ortográfico não está a favor da literatura”, citou a agência Lusa.

Image and video hosting by TinyPicO movimento contra estende-se, naturalmente, às redes sociais. No Facebook, a página “Sou Português – não concordo com o novo Acordo Ortográfico” tem o apoio de quase 34 mil utilizadores. “A minha língua é o Português – porque é que tenho de escrever numa língua que é criada por pessoas que falam uma espécie de Português?”, lê-se na descrição da página.

A favor ou contra, o Acordo já entrou na vida dos portugueses. Publicações como a Visão, o Expresso e o jornal desportivo Record adotaram as novas normas ortográficas, assim como a agência noticiosa Lusa. Para quem ainda está confuso com as novas normas, já são vários os conversores ortográficos disponíveis online. É o caso do Lince, financiado pelo Governo português, e o FLIP, um serviço da Priberam.

E se a palavra “lusofonia” não vai sofrer quaisquer alterações na sua ortografia, também o sentimento que inspira continuará a ser vivido a tempo inteiro e, espera-se, por muitas gerações.

Débora Cambé

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