Em 2001 adivinhava-se a crise da indústria discográfica, mas Pedro Costa decidiu arriscar e fundar uma nova editora e distribuidora dedicada ao Jazz e à música improvisada. Dez anos e duzentos discos depois, a Clean Feed é reconhecida internacionalmente como uma das melhores editoras do mundo no género musical que privilegia.
Foi da música que Pedro Costa sempre fez carreira, como vendedor, sócio e gestor de produto em várias lojas da Grande Lisboa. Nos concertos a que foi assistindo, sobretudo em Nova Iorque, contactou com músicos como Lou Grassi, Steve Lehman e Steve Swell, que viriam a compôr o catálogo inicial da Clean Feed, fundada com os irmãos Carlos e Nuno e um capital de 400 contos – o equivalente a dois mil euros.
Mais do que promover os artistas nacionais, o objetivo é documentar uma época da música: “Se não tivéssemos sido nós, poderiam não ter sido publicadas obras importantes que, provavelmente, daqui a vinte anos, serão consideradas marcos históricos. Sabe-se, de resto, que há falta de editoras nos Estados Unidos – se temos muitos músicos americanos no nosso catálogo, tal deve-se ao facto de a Clean Feed ter dado a esses artistas a oportunidade de mostrar seu trabalho. Essa é uma parte da explicação do nosso sucesso”, diz Pedro Costa.
Mas dez anos de Clean Feed são, também, dez anos de evolução da música portuguesa: “Os músicos portugueses começaram a preocupar-se mais com a composição. Quando comecei a ouvir jazz, a frequentar clubes e a ir a concertos, os músicos tocavam standards, coisa que caiu em desuso, felizmente. (…) Começaram a aparecer músicos a desenvolverem um repertório e uma linguagem próprios – Júlio Resende, Bernardo Sassetti, o Mário Laginha, Carlos Barreto…”, conta o fundador da editora lisboeta ao Boas Notícias.
O reconhecimento internacional e a expansão além-fronteiras
O dinamismo – de dois em dois meses são lançados pacotes de novos discos – e a qualidade dos projetos em catálogo mereceram os elogios de influentes publicações internacionais, como a All About Jazz, Down Beat e Free Jazz, mas também de instituições como a Jazz Journalists Association.
Ao cuidado técnico e gráfico dos discos alia-se um trabalho intensivo de promoção, em concertos e festivais por todo o país e no estrangeiro, do qual o Clean Feed Fest é o expoente máximo: em Nova Iorque, a sexta edição arranca em julho, seguindo-se a Alemanha, Suécia e Noruega. Curiosamente, nunca se realizou em Portugal.
“A verdade é que fazer um festival Clean Feed em Portugal, só com músicos portugueses, acaba por ser um bocadinho redutor para aquilo que nós gostamos de mostrar da nossa editora. Tem sido mais fácil fazê-lo em cidades como Nova Iorque, porque acabam por ser um ponto de confluência: existem sempre muitos músicos interessados em ir lá tocar, de outras cidades dos EUA mas também da Europa”.
A falta de apoios é outra das explicações para o facto de o festival não ter ainda chegado a solo nacional, mas o otimismo prevalece e espera-se que este verão o projeto se concretize, no final de junho.
Ecos de jazz na Rua do Alecrim
É bem perto do Cais do Sodré que, desde 2004, está localizada a única loja de música portuguesa exclusivamente dedicada ao jazz. A Trem Azul Jazz Store é também o quartel-general da Clean Feed – ali vendem-se os discos da editora, realizam-se concertos e têm lugar outras operações de logística.
“A loja da Trem Azul acaba por ser a cara da Clean Feed. É um sítio de encontro de músicos e de pessoas que se interessam por esta música, um contacto importante que não gostávamos nada de perder”, diz Pedro Costa.
Débora Cambé