Saúde

Pílula contra cancro testada em seres humanos

O seu nome científico é fosfoetanolamina e começou a ser usada para tratar o cancro há mais de duas décadas, mas só esta semana é que começaram os primeiros estudos clínicos em humanos.
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Fosfoetanolamina é o nome científico deste medicamento que começou a ser usado, de forma marginal, para tratar o cancro, há mais de duas décadas. Contudo, só esta semana é que começaram os verdadeiros estudos clínicos em seres humanos.
 
Desenvolvida na década de 90 por Gilberto Chierice, professor (agora reformado) do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo, a fosfoetanolamina tem uma história polémica.

Criticada por muitos que dizem que a sua produção “amadora” por Chierice em fábricas não controladas é altamente irregular e perigosa, esta substância 'milagrosa' é ao mesmo tempo elogiada por inúmeros pacientes que a usaram com sucesso para tratar o seu cancro.

 
De qualquer forma, começaram esta semana os primeiros ensaios clínicos independentes que pretendem acabar de uma vez com a polémica existente em torno deste medicamento. 
 
Dois estudos para um tratamento disponível há 20 anos

O primeiro estudo está a ser desenvolvido pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e arrancou já esta segunda-feira (25 de Julho).

Para confirmar a sua aparente atoxicidade, a pílula anti-cancro vai ser administrada durante dois meses a um grupo de 10 pacientes, todos voluntários com cancros difíceis de curar mas em boa forma física.

 
“Precisamos de validar este ponto antes de prosseguir com os trabalhos”, diz à revista Pesquisa FAPESP Paulo Hoff, diretor-geral do Icesp e coordenador do estudo.

Se não existirem perigos para a saúde, as pílulas de fosfoetanolamina passarão a ser administradas a um conjunto de 210 pacientes com os 10 tipos mais comuns de cancro (cabeça e pescoço, mama, próstata, colo do útero, cólon e reto, estômago, fígado, pulmão, pâncreas e melanoma).

 
Caso o composto apresente algum benefício, o estudo vai ser expandido até que abranja mil pacientes. 

Clique aqui para ver a infografia em grande formato

A segunda iniciativa envolve o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM-UFC) e o Instituto Nacional de Câncer (Inca), do Rio de Janeiro.


Em agosto, o NPDM pretende iniciar a fase 1 (testes em seres humanos) ao administrar por via oral quatro dosagens diferentes do composto. O estudo abrangerá um grupo de 60 a 120 voluntários, sem cancro, para verificar a toxicidade.
 
Se a substância for aprovada durante a fase 1 passará à etapa seguinte com 200 pacientes, divididos em quatro grupos de 50 pessoas, cada um com um tipo de cancro que não responde bem aos tratamentos convencionais: melanoma, colo do útero, adenocarcinoma de pulmão sem mutação no gene EGFR e de mama triplo negativo (sem três tipos de biomarcadores).
 
“Primeiro vamos testar a fosfoetanolamina em grupos de 20 pacientes com cada tipo de tumor”, avança a médica Marisa Maria Dreyer Breitenbach, coordenadora de pesquisa do Inca. Se os resultados forem positivos em pelo menos 10% dos pacientes, o composto será fornecido aos restantes doentes do grupo. 
 
Definida pela fórmula química C2H8NO4P, a molécula da fosfoetanolamina é produzida naturalmente nos mamíferos, inclusive no Homem. A ligação da fosfoetanolamina com o cancro remonta a 1936, quando foi isolada pela primeira vez de tumores bovinos. Posteriormente, foi sintetizada em laboratório e até recentemente era vendida como tratamento não certificado do cancro.
 
Um passado controverso
 
A 14 de Julho de 2016, foi autorizado, no Brasil, o uso da fosfoetanolamina em pacientes com cancro que não reagiam aos tratamentos habituais.

A medida foi tomada embora até hoje não tenha sido publicado um único trabalho científico sobre a segurança e os alegados efeitos positivos da fosfoetanolamina em seres humanos, passando por cima das prerrogativas da Anvisa, organismo responsável por regular o setor de medicamentos do Brasil.

 
Por esse motivo a lei gerou uma onda de controvérsia, com a Anvisa, as sociedades médicas, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e outras entidades científicas a posicionaram-se contra o uso generalizado da substância sem que esta ser sujeita a testes clínicos.

Fórmula química da fosfoetanolamina
 
Apesar do ceticismo da classe médica, há alguns estudos pré-clínicos, internacionais e brasileiros, que sugerem que a fosfoetanolamina é atóxica contra as células saudáveis e pode funcionar contra alguns tipos de tumores.
 
Segundo Durvanei Maria, investigador do Laboratório de Bioquímica e Biofísica do Instituto Butantan, o suposto mecanismo de ação da fosfoetanolamina é diferente do mecanismo dos quimioterápicos e da radioterapia. “Acreditamos que esta substância promove a analgesia e altera a composição dos lipídeos [gorduras] das células com cancro” .
 
Desta forma, a fosfoetanolamina modifica o funcionamento das mitocôndrias e estimula a apoptose (morte programada) das células com cancro, preservando as saudáveis.

Contudo, é importante destacar que maioria destes estudos usou células cultivadas em laboratório, com apenas alguns a usarem animais vivos. 


“Tenho certeza de que descobri a cura do cancro”

 


Chierice começou a trabalhar com a fosfoetanolamina no fim dos anos 1980. No início, o engenheiro químico pensava que o composto podia ser cancerígeno, mas depois concluiu que o organismo produzia fostoetanolamina para se defender do cancro © Reprodução/EPTV

 
Os ensaios clínicos em seres humanos que começaram esta semana podem pôr fim a esta polémica, embora nem isto seja certo.
 
Chierice, o investigador que descobriu os efeitos da fosfoetanolamina contra o cancro e começou a produzir o composto, continua a defender a sua eficácia. “Estou a fazer testes no exterior com a fosfoetanolamina para confrontar com os resultados obtidos aqui”, afirma à Revista Pesquisa, sem nomear os laboratórios. “Tenho certeza de que descobri a cura do cancro.”
 
Frases neste tom criam expectativas que a maioria dos investigadores considera irreais. Os oncologistas não acreditam que exista uma única droga capaz de combater todos os cerca de 200 tipos de tumores.

Notícia sugerida por António Resende

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