Ciência

Matizes Outonais [Crónica]

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Ilustração © Inês Massano

[António Piedade é Comunicador de Ciência e Investigador do Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra. A partir desta semana vai publicar quinzenalmente uma crónica no Boas Noticias onde interpreta fenómenos científicos do dia a dia numa prosa acessível a todos]

Image and video hosting by TinyPicMaria rodopia numa dança de folhas bailarinas. Em pausas coreografadas pela sua paciência, aguarda a queda de cada folha, desde o seu ramo pendente, lá do alto daquela árvore que deu sombra amena no Verão. Ondulada pelo vento que traz notícias Outonais, a copa da árvore despe-se agora do traje primaveril e os ramos afinam-se para resistirem às agruras das estações menos luminosas que já se anunciam.

Maria dança o movimento da queda de cada folha até ao solo com gestos suaves, aparentes intuições de um conhecimento antigo e íntimo com a natureza. A arquitectura da folha, evolutivamente optimizada para uma máxima exposição solar, funciona agora como um amparo contra a queda gravítica. A sua forma espalmada, permite que paire e flanqueie sucessivas colunas de ar como se deslizasse por um parque de diversões. E Maria, parece sublinhar o percurso da queda como se estivesse a despedir-se do verde e a saudar os matizes da paleta outonal.

A partitura do vento traz a Maria e uma folha companheira num passo de dança até mim. Sentado neste banco, recebo com espanto a pergunta que ela me traz num sussurro: “Como é que o arco-íris se mete dentro das folhas? Onde é que se escondeu o azul, que não o encontro na minha dança?”.

A cor das folhas é o resultado da interacção da radiação da luz solar com uma matriz sub-microscópica de pigmentos. Os que “dão” cor verde às folhas, as clorofilas, são fotossintéticos. Estas moléculas estão acopladas a centros designados por fotossistemas, presentes nessas centrais solares intracelulares que são os cloroplastos.

A folha que te acompanha nessa dança é de facto uma fábrica de nutrientes. A energia radiante do sol é captada e fixada em moléculas de que os açúcares, como a glicose, são exemplo maior. Sabias que num centímetro quadrado de folha verde, mais ou menos a área de uma impressão digital tua, existem cerca de 500 milhões de cloroplastos cheios de clorofila?

Acrescentando metais à tarde, o sino da torre badala as quatro. Reparo que o astro rei, entediado com o Verão boreal, já não “sobe” tão alto no horizonte. E a árvore sabe disso. A menor irradiação solar reduz a fotossíntese. Com os dias cada vez mais pequenos e iguais às noites, anúncio de equinócio, as folhas começam a desmontar o seu arsenal fabril. Hormonas vegetais orquestram esta mudança: a folha altera-se, desalojam-se as clorofilas. E o verde intenso da primavera vai desbotando à medida que a Terra avança para equinócio de Outono.

Que cores sobejam? As que resultam da nova condição clorofilina. As que resultam da interacção da luz com outras moléculas estruturais. E velhos tons, até então discretos, sobressaem agora num requiem cromático de despedida foliar.

Maria rodopia e revolta o tapete cromático que foi sombra estival. E rodopia num planeta que avança com uma velocidade média angular menor do que aquela com que encontrou a Primavera, há 186 dias atrás. É como se o hemisfério Norte quisesse hibernar e retardar o renascer primaveril antípoda no planeta Austral.

E a cada segundo o planeta avança 30 Km, num rodopio incansável sobre o seu eixo inclinado, em 23 graus, sob o plano do seu caminho cósmico. Nessa dança à roda do Sol, aproxima-se de uma posição na sua orbita elíptica em que as noites crescentes igualam os dias minguantes. Isto ocorrerá no próximo dia 23 de Setembro, às 3h09m da madrugada, hora universal. 

Maria dança e rodopia enquanto o planeta avança.

António Piedade

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